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Contos
23/06/2008 - 11h18
O irmão do Lorival
Celamar Maione
 

Maria de Lurdes colocava o rímel para sair com a amiga, quando Lorival aproximou-se da porta do quarto e berrou:
- Você me paga! Não vai se esquecer de mim. NUNCA! Pode apostar.

Ela olhou para o marido, apertou os lábios e continuou se maquiando. Quando passava o batom na frente do espelho, ouviu um barulho seco e abafado vindo do andar debaixo. Nervosa, jogou o batom longe e saiu gritando escada abaixo:
- É o Lorival! Pelo amor de Deus! O louco do Lorival fez merda!

Quando chegou na sala de visitas, encontrou a filha abraçada ao pai. Lorival agonizava caído perto do sofá, com os braços abertos e um tiro na cabeça. Leninha pegou o bilhete agarrado à mão do morto e leu em voz alta:
- Sua mãe é amante do meu irmão. Agora eles estão livres para viver na luxúria. Filha, perdoa meu gesto. Mas não suporto a dor da traição. Prefiro a morte. Amo você. Seu pai querido.

Fora de si, Leninha gritava, trêmula:
- Papai se matou por sua culpa! A CULPA É SUA! Você não presta!
Maria de Lurdes, histérica, gritava junto:
- Nunca fui amante do Maurílio. Seu pai é um fraco. Vítima de um ciúme doentio.

A gritaria chamou a atenção da vizinhança que invadiu a casa rastreando o cheiro de morte. A mulherada mais exaltada simulava desmaio ao se deparar com o cadáver. Maria Lingüiça ajoelhou-se e rezou enternecida diante do suicida. Os curiosos só foram embora quando o rabecão levou o corpo, já no início da madrugada. Os insones ficaram pelas calçadas conversando sobre o suicídio até o dia amanhecer. Seu Joaquim reabriu o bar e faturou vendendo cerveja e churrasquinho.

No final da tarde de domingo, Lorival foi enterrado. Durante o velório, Dona Ursulina, mãe de Lorival, gritava, apontando o dedo para a viúva:
- Assassina! Matou Lorivalzinho! Volta para o inferno! Lá é seu lugar! Você não vai levar o Maurílio à perdição, não! Vagabunda!

Maurílio fez cara de vítima e permaneceu ao lado de dona Ursulina, consolando Leninha. Cansada das agressões da sogra, Maria de Lurdes não acompanhou o cortejo. Foi embora na companhia da irmã. No trajeto para casa, Néia perguntou, curiosa:
- Você e Maurílio são amantes?
- Você acha que eu ia ser amante daquele idiota?
- Então de onde o Lorival tirou essa idéia?
- Ele era paranóico. Sempre foi. Quando Maurílio telefonava para saber como íamos passando, era motivo para Lorival suspeitar que tínhamos um caso.

Néia olhou para Maria de Lurdes, compadecida, e teve um estranho pressentimento. Despediram-se emocionadas e com o coração apertado. A viúva entrou em casa e foi direto para o quarto. Logo adormeceu. Nem viu Leninha voltar do enterro. Acordou no meio da madrugada, suada e ofegante, pensando em Lorival.

No dia seguinte, mesmo com dores pelo corpo, saiu para trabalhar. Quando a filha viu a mãe pronta para sair, provocou-a:
- Você não vale nada mesmo! Meu pai morreu no sábado e hoje vai vagabundear como se nada tivesse acontecido. Vai se encontrar com o amante, é?

Maria de Lurdes irritou-se com a maledicência de Leninha.
- Não, vou trabalhar. E acho bom você também procurar um emprego. Já está com 20 anos, pronta para pegar no batente.

O suicídio de Lorival transformou a vida de Maria de Lurdes num lamaçal de problemas. Além de conviver com a raiva da filha, foi obrigada a agüentar dona Ursulina telefonando de madrugada e chamando-a de vagabunda. O sono de Maria de Lurdes nunca mais foi o mesmo. Quase todos as noites tinha pesadelos com o suicida.

O estresse tomou conta da viúva. Além das agressões familiares e dos pesadelos, passou a receber cartas ameaçadoras, supostamente assinadas pelo morto. Assustada, contou aos colegas de trabalho que Lorival voltaria para matá-la. Quando a psicóloga da empresa tomou conhecimento do estado emocional de Maria de Lurdes, licenciou-a.

Em casa, sem ter o que fazer, o quadro de demência agravou-se. Esquizofrênica, garantia à vizinhança que durante a noite ouvia passos e via vultos no quarto. Com os nervos à flor da pele e sem saber diferenciar fantasia da realidade, numa sexta-feira, no início da noite, Maria de Lourdes teve um ataque do coração fulminante, depois de ver uma sombra na cozinha falando que era Lorival.

O velório da viúva foi concorridíssimo. Alguns apostavam que Lorival apareceria para buscar a morta. Perto da hora do enterro, padre Augustinho encomendou o corpo, num discurso emocionado, falando de perdão. Aproveitando o momento, Maurílio abraçou a sobrinha, fingindo emoção, e murmurou-lhe ao ouvido:
- Finalmente seremos dois amantes livres para amar!

Leninha tirou os óculos escuros, franziu os olhos e respondeu, desafiadora:
- Engano seu. Ainda falta uma pessoa.

Eles olharam para Ursulina, que depois do sermão do padre, iniciou um discurso empolgado, falando de justiça divina. A chuva caiu intensa durante o cortejo fúnebre. O cheiro de terra molhada invadiu o cemitério, refrescando o ar carregado.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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