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Contos
16/06/2008 - 15h00
Conselho de amiga
Celamar Maione
 

Queridinha dobrou o guardanapo mais uma vez. O gesto irritou Altamir.
- Não entendo. Quis sair para comer uma pizza para ficar com essa cara emburrada?
- Você não respondeu a minha pergunta.
- Qual?
- Estamos namorando há dois anos. Todas as minhas amigas já estão casadas, menos eu.
- Qual o problema? Não temos nada a ver com a vida de ninguém. Cada um na sua.
- Quando é que você vai se decidir? Está com 34 anos. Não é mais um adolescente.
- Não tá bom do jeito que está? Casamento é complicado.
- Por quê?
- Dormir e acordar junto todo dia acaba com o amor. As despesas aumentam. Aí vem reclamação, filhos e rotina.
- É só não deixarmos cair na rotina. O que não dá é para namorar a vida inteira.
- Não está feliz?
- Não. Quero me casar com você.
- Queridinha, entenda, já falei: não me imagino dividindo jornal pela manhã. Sou cheio de manias.
- Resolvemos o problema fazendo duas assinaturas.
- Mas também não gosto que mexam nos meus livros e nem nos meus cds.
- Isso é muito pouco para não querer casar. Tudo se resolve.
- Tá, mas aí você vai achar que somos um só porque casamos e vai querer saber a senha do meu e-mail. Saber quanto eu ganho. Esquece. Não nasci para casar.
- Como você é mesquinho, Altamir!
- Tá vendo? Só de imaginar já dá confusão. Sou assim. Moro sozinho há dez anos, não quero dividir travesseiro, nem escova de dentes. Gosto da solidão.

Os olhos de Queridinha encheram-se de lágrimas. Era a quarta vez que conversavam sobre o assunto e Altamir negava-se a assumir compromisso sério. Magoada, recomeçou a dobrar o guardanapo. Diante do impasse, ele chamou o garçom e pediu a conta. No carro, ouvia-se apenas a respiração agoniada de Queridinha. Enquanto dirigia, Altamir olhava a namorada de canto de olho. Quando chegou em casa, ela saiu batendo a porta do carro.

Adormeceu com o dia clareando. Acordou meio-dia com o corpo doído e os olhos inchados de chorar. Pegou o telefone e ligou para a melhor amiga.
- Suely, vou terminar com Altamir. Ele não quer saber de casamento.
- Só você não tinha percebido. Aceita o convite do Joaquinzinho para sair.
- Aquele mala?
- Esse casa com você. Pode apostar. Não quer um marido?
- Quero.
- Então. Vai formar uma família com direito a marido e filhos. Assim como eu.
- Mas e o sexo? Vai ser duro transar com Joaquinzinho.
- Fecha os olhos e fantasia. E mesmo casada, pode continuar dando suas voltinhas, como eu faço. Mas na foto, está lá, a família feliz e sorridente!
- E o amor?
- O amor acaba. E quando acaba, você olha para a cara do marido e pensa: onde eu estava com a cabeça quando me casei com esta merda?
- Mas se com amor já é difícil, imagina sem amor!?
- Melhor. Você não se ilude, portanto, não se decepciona. Com o Altamir, é solteirice na certa.
- Será?
- Claro. E escreve o que eu digo. Qualquer dia ele lhe dá um pé na bunda e aí, nem Joaquinzinho.
- Você tem razão, ele me enrolou. Vou ligar pra ele e dizer que ele é um canalha.
- Queridinha, todo canalha sabe que é canalha e gosta de ser chamado de canalha. Vai dar esse gostinho pro Altamir?
- Mas ele merece ouvir umas verdades!
- Não seja ingênua. Ele vai rir da sua cara com os amigos, coçando o saco numa mesa de bar e dizendo com orgulho: Queridinha me chamou de canalha!

Depois da conversa com Suely, Queridinha resolveu aceitar o convite de Joaquinzinho para ir ao cinema. Eram colegas de trabalho há dois anos e o rapaz vivia se declarando. Em pouco tempo, o relacionamento ficou sério e com seis meses de namoro, ele a pediu em casamento. Queridinha fez questão de uma união tradicional. Joaquinzinho, apaixonadíssimo, concordou.

Na hora de enviar os convites, ela mandou também para Altamir. Cheia de expectativa, contou a novidade para Suely.
- Quero só ver o que ele vai pensar quando receber meu convite de casamento!
- Você quer que eu seja franca? Vai ficar feliz!
- Você acha?
- Tenho certeza. Espere e verá!

No dia do casamento, Queridinha estava apreensiva. Queria desistir, mas foi convencida por Suely a ir até o final. Logo que entrou na Igreja, avistou Altamir. Teve vontade de sair correndo e cair nos braços do ex, mas ao olhar para Joaquinzinho no altar, sentiu pena e encaminhou-se até o futuro marido, exibindo um sorriso forçado. Durante a cerimônia religiosa, Queridinha emocionou-se com as palavras de Padre Firmino.

Na hora dos cumprimentos, porém, estremeceu com a aproximação de Altamir. O ex- namorado pegou suavemente em suas mãos e lhe falou, sussurrando no ouvido:
- Quando você voltar da lua-de-mel, me liga ou vai lá em casa para conversarmos.

Em seguida, olharam-se com ardor. O coração de Queridinha rejuvenesceu. Quando ela avistou Suely lhe sorrindo, abraçada ao marido e aos filhos, teve certeza de que a amiga era uma mulher de muita sabedoria. Pela primeira vez, naquele dia, sentiu-se feliz por tornar-se esposa de Joaquinzinho.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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