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Contos
13/04/2008 - 16h16
Sonho de consumo
Celamar Maione
 

Josiel conversa com amigos na festa de aniversário de Evaldo, quando Lúcia chega num vestido tubinho vermelho. Ele acompanha-a com o olhar, pede licença ao grupo e se aproxima da moça.
- Você está linda! Pensei que não viesse.
- E por que não viria? Adoro festa.
- E quando vai me adorar?
- Gosto de você. Como amigo.
- Não quero apenas amizade.
- Você é insistente. Oito anos tentando. Não desiste?
- Nunca. Quero você. Não desisto fácil das coisas que desejo.

Lúcia deu um sorriso provocante e jogou os longos cabelos pretos para trás. Josiel segurou-lhe as mãos com força e implorou:
- Vamos tentar. Você está sozinha, eu também.
- Não. É só amizade.
- Nem um beijinho?
- Sem envolvimentos. Você é mulherengo.
- Porque ainda não encontrei a mulher certa e acho que essa mulher é você.
- Você quer que eu acredite nisso? Você só pensa em sexo, Josiel.
- Eu seria capaz de amá-la, juro.
- Cínico. Homem promete qualquer coisa quando quer levar uma mulher pra cama.

Colocou a mão no queixo do amigo, deu um leve sorriso e o deixou falando sozinho. Quando Lúcia foi trabalhar na empresa, Josiel encantou-se por ela à primeira vista. Acostumado a sair com as mulheres que quisesse, Lúcia tornou-se um desafio ao recusar suas investidas. Sua lista era extensa. Já saíra com mulheres comprometidas, bissexuais, estrangeiras e até com duas primas e uma tia. Lúcia, porém, resistia ao assédio e quanto mais resistia, mais ele ficava excitado. As amigas que sabiam do jogo de sedução, incentivavam:
- Não entendo você. O Josiel é charmoso, bonitão, está solteiro com 32 anos.
- E daí?! Só por causa disso eu devo cair na conversa dele?
- Qual o problema? Ele é altamente sedutor. Se conhecem há oito anos. São amigos.
- Não quero. Ele é conquistador barato. Depois que usar, vai jogar fora.
- Que nada, vai ver, se apaixona.
- Você acredita que homem é capaz de se apaixonar?

No íntimo, Lúcia nutria um amor platônico por Josiel e preferia que continuasse na imaginação. Aos 20 anos, foi abandonada na porta da igreja. Desde então, jurara nunca mais se relacionar com ninguém. Acreditava que a realização de uma paixão e a rotina tiravam a magia do amor. Rejeitava todos os homens que se aproximavam e lutava para resistir aos encantos de Josiel.

O rapaz ficava confuso com a dubiedade da amada. Via nos olhos dela o brilho das apaixonadas, mas ela o recusava com veemência. Lúcia tornou-se um enigma na vida dele. Quando exagerava na bebida, Josiel socava a mesa do bar e dizia aos companheiros de copo, com ar desesperado:
- Essa mulher é o meu sonho de consumo. Vai ser minha. Custe o que custar!

Quando contavam a Lúcia, ela balançava os ombros e fingia não se importar.
- Coitado! Vai morrer de tanto tentar.
E ria. Um riso nervoso. Antes de dormir, sempre pensava nele e muitas vezes, sonhava que se amavam numa cachoeira. Acordava, angustiada, e dizia com voz trêmula:
- Nunca! Josiel nunca me terá! NUNCA!

Foi na festa de aniversário dos 20 anos da empresa, que tudo aconteceu. Beberam além da conta. Flertaram. Josiel acreditou que, finalmente, a muralha construída por Lúcia, desabava. Ela aceitou sair com ele. Saem da festa discretamente. No estacionamento, entram no carro e beijam-se com paixão. Josiel murmura palavras de amor. Lúcia corresponde, mas entre um beijo e outro, empurra-o e fala, respirando com dificuldade:
- Preciso que me prove que seu amor por mim é verdadeiro.
- Me diz. O que você quer? Eu faço. Prometo.

Ela tira a navalha da bolsa e entrega nas mãos dele.
- Você teria coragem de cortar seu pênis? - diz, em tom desafiador.
- Por amor a você, eu corto.
Nervoso, Josiel abaixa a cueca e decepa o órgão sexual. Em seguida, segurando-o nas mãos ensangüentadas, olha para Lúcia, com ar vencedor e antes de desmaiar, geme:
- Eu não disse que cumpriria a promessa? Amo-a!

Josiel não resiste ao ferimento. No velório, os amigos comentam, consternados, que o morto enlouqueceu de paixão. Quando Lúcia chega em casa, depois do enterro, vai até o banheiro, olha-se no espelho durante alguns segundos, penteia os cabelos, passa batom e coloca perfume. Com o olhar perdido, caminha até o quarto, abre a porta do armário, pega um vidro contendo formol e olha, fascinada. Dentro, bóia o pênis de Josiel. Ela o retira, acaricia-o e dá um sorriso de satisfação.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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