Assim que Irene entrou no escritório, Rita resmungou: - Doutor Adolfo já perguntou por você duas vezes. - Ai meu Deus! E o humor? - Péssimo. Bateu na porta, pediu licença e entrou. Doutor Adolfo navegava pela internet e quando a viu, levantou a cabeça e franziu a testa. - A senhora está atrasada, dona Irene. - Desculpe, é que meu marido. - Tá desculpada. Próximo atraso leva uma advertência. - O que o senhor deseja? - Quero que a senhora troque essa cueca por um número menor. A secretária pegou a roupa íntima e saiu da sala ofendida com o pedido. Ficou um tempo olhando para o nada. Rita sacudiu Irene tirando-a do transe. - O que houve? Você está pálida. - Acredita que doutor Adolfo pediu para trocar uma cueca? Não ganho pra isso! - Quer manter o emprego? Troca e não reclama. Aproveita e coloca pimenta no fundilho. - Pó de mico é melhor! Riram, tomaram café e foram preparar os relatórios. O excesso de trabalho fez Irene esquecer do pedido inusitado. Na hora do almoço demorou no restaurante e não conseguiu fazer a troca. Prometeu a si mesma que depois do expediente passaria na loja. Saiu do escritório depois das nove. Na volta pra casa, adormeceu na condução. Quando chegou, encontrou o marido com a cara fechada. - Isso são horas, Irene? Com dor de cabeça, ela abriu a bolsa para pegar um comprimido e a cueca caiu no chão. Cardoso pegou. - Uma cueca? O que significa essa pouca-vergonha? A mulher ficou sem fala. Arregalou os olhos e gaguejou. - Anda, estou esperando a explicação! Contou a verdade. Cardoso duvidou. - Acha que sou burro? Chega onze da noite com uma cueca na bolsa e quer que eu acredite nessa mentira? - Tá duvidando? Então liga para o celular do doutor Adolfo. - Vou ligar. - Liga. Amanhã tô na rua e quero ver quem vai pagar as contas. Diante da ameaça, Cardoso desistiu. Passou a andar de um lado para o outro revirando os olhos. Precisava de uma prova de que a mulher falava a verdade. Enquanto ela tomava banho, ele sentou-se no sofá e ficou balançando as pernas. Pensava em uma solução. Quando a esposa vestiu a camisola e colocou a janta na mesa, Cardoso gritou: - Já sei! Você vai desfilar com essa cueca pra mim. - Tá maluco? E como vou trocá-la depois? - Se você não desfilar, vou achar que é mentira. A mulher obedeceu. Desfilou para o marido, que olhava cinicamente. Quando pensava em parar, ele debochava e pedia: - Mais uma voltinha. Só mais uma. - Tô cansada. - Continua! Me excita saber que o cuecão é do seu chefe. Só mais uma voltinha. Foram mais de cinqüenta voltas. Quando Cardoso adormeceu, Irene estava exausta. Deitou-se vestida com a cueca. Dormiu pesado. Roncou. Acordou atrasada. Pulou da cama. Não tomou nem café. Colocou a cueca na bolsa e saiu apressada. Chegou antes do doutor Adolfo. Dez minutos depois, o chefe passou por ela e nem deu bom dia. Irene rezou para que o homem não lembrasse da troca. Pegou o terço na bolsa e resmungava baixinho quando ouviu o grito: - DONA IRENE, venha até aqui, já! Assim que entrou na sala com ar desanimado, doutor Adolfo deu um sorriso irônico. - Trocou? - Desculpe. Houve um problema. Mas prometo que na hora do almoço... - Não precisa dizer mais nada. Me dá ela, AGORA! - Doutor Adolfo, vou trocar. Me dá uma chance! - AGORA, dona Irene! Pegou a cueca, entregou ao chefe e saiu da sala. Chorou baixinho. Rita tentava consolá-la. Foi chamada de volta. Estremeceu. Ficaram trancados durante uma hora. Irene saiu ajeitando os cabelos. Rita perguntou, curiosa: - E aí? Demitiu? Levou sermão? Irene pegou um espelhinho na bolsa, passou batom e respondeu, descontraída: - Não. Recebi um aumento. Doutor Adolfo é um homem muito carente. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
|