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Contos
17/03/2008 - 17h29
A cueca do doutor Adolfo
Celamar Maione
 

Assim que Irene entrou no escritório, Rita resmungou:
- Doutor Adolfo já perguntou por você duas vezes.
- Ai meu Deus! E o humor?
- Péssimo.

Bateu na porta, pediu licença e entrou. Doutor Adolfo navegava pela internet e quando a viu, levantou a cabeça e franziu a testa.
- A senhora está atrasada, dona Irene.
- Desculpe, é que meu marido.
- Tá desculpada. Próximo atraso leva uma advertência.
- O que o senhor deseja?
- Quero que a senhora troque essa cueca por um número menor.

A secretária pegou a roupa íntima e saiu da sala ofendida com o pedido. Ficou um tempo olhando para o nada. Rita sacudiu Irene tirando-a do transe.
- O que houve? Você está pálida.
- Acredita que doutor Adolfo pediu para trocar uma cueca? Não ganho pra isso!
- Quer manter o emprego? Troca e não reclama. Aproveita e coloca pimenta no fundilho.
- Pó de mico é melhor!

Riram, tomaram café e foram preparar os relatórios. O excesso de trabalho fez Irene esquecer do pedido inusitado. Na hora do almoço demorou no restaurante e não conseguiu fazer a troca. Prometeu a si mesma que depois do expediente passaria na loja. Saiu do escritório depois das nove. Na volta pra casa, adormeceu na condução. Quando chegou, encontrou o marido com a cara fechada.
- Isso são horas, Irene?

Com dor de cabeça, ela abriu a bolsa para pegar um comprimido e a cueca caiu no chão. Cardoso pegou.
- Uma cueca? O que significa essa pouca-vergonha?
A mulher ficou sem fala. Arregalou os olhos e gaguejou.
- Anda, estou esperando a explicação!

Contou a verdade. Cardoso duvidou.
- Acha que sou burro? Chega onze da noite com uma cueca na bolsa e quer que eu acredite nessa mentira?
- Tá duvidando? Então liga para o celular do doutor Adolfo.
- Vou ligar.
- Liga. Amanhã tô na rua e quero ver quem vai pagar as contas.

Diante da ameaça, Cardoso desistiu. Passou a andar de um lado para o outro revirando os olhos. Precisava de uma prova de que a mulher falava a verdade. Enquanto ela tomava banho, ele sentou-se no sofá e ficou balançando as pernas. Pensava em uma solução. Quando a esposa vestiu a camisola e colocou a janta na mesa, Cardoso gritou:
- Já sei! Você vai desfilar com essa cueca pra mim.
- Tá maluco? E como vou trocá-la depois?
- Se você não desfilar, vou achar que é mentira.

A mulher obedeceu. Desfilou para o marido, que olhava cinicamente. Quando pensava em parar, ele debochava e pedia:
- Mais uma voltinha. Só mais uma.
- Tô cansada.
- Continua! Me excita saber que o cuecão é do seu chefe. Só mais uma voltinha.

Foram mais de cinqüenta voltas. Quando Cardoso adormeceu, Irene estava exausta. Deitou-se vestida com a cueca. Dormiu pesado. Roncou. Acordou atrasada. Pulou da cama. Não tomou nem café. Colocou a cueca na bolsa e saiu apressada. Chegou antes do doutor Adolfo. Dez minutos depois, o chefe passou por ela e nem deu bom dia. Irene rezou para que o homem não lembrasse da troca. Pegou o terço na bolsa e resmungava baixinho quando ouviu o grito:
- DONA IRENE, venha até aqui, já!

Assim que entrou na sala com ar desanimado, doutor Adolfo deu um sorriso irônico.
- Trocou?
- Desculpe. Houve um problema. Mas prometo que na hora do almoço...
- Não precisa dizer mais nada. Me dá ela, AGORA!
- Doutor Adolfo, vou trocar. Me dá uma chance!
- AGORA, dona Irene!

Pegou a cueca, entregou ao chefe e saiu da sala. Chorou baixinho. Rita tentava consolá-la. Foi chamada de volta. Estremeceu. Ficaram trancados durante uma hora. Irene saiu ajeitando os cabelos. Rita perguntou, curiosa:
- E aí? Demitiu? Levou sermão?

Irene pegou um espelhinho na bolsa, passou batom e respondeu, descontraída:
- Não. Recebi um aumento. Doutor Adolfo é um homem muito carente.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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