Neidinha acordou às três da madrugada e quando apalpou os lençóis não encontrou o marido. Levantou-se e foi procurá-lo pelo apartamento. Esteves estava na área de serviço olhando pela janela. - Posso saber o que você faz aí a essa hora? - Caramba, Neidinha, que susto! Parece uma assombração. - Quem parece uma assombração é você. Tenho reparado que toda madrugada você faz ronda pela casa. Está com insônia? - Não é nada, não é nada. Saiu reclamando e voltou para o quarto. Neidinha foi atrás. - Você está com problemas? Fala pra mim. - Neidinha, dorme, papo cabeça a essa hora, não. Depois eu falo. Boa noite. Virou-se para o lado e dormiu deixando Neidinha curiosa. Pela manhã, enquanto tomava café, Neidinha pegou Esteves novamente olhando pela janela de serviço. Estava tão concentrado que nem piscava. Quando o marido saiu para trabalhar, Neidinha foi verificar o que tanto ele olhava. Ficou irritadíssima ao descobrir que no enxugador da vizinha havia várias camisolas e baby-dolls sensuais. Bem diferente das roupas de dormir que ela usava. "Finalmente" - pensou - "descobri o interesse do Esteves nessa área de serviço e tudo depois que a oxigenada depravada veio morar aqui em frente". Quando o marido chegou do trabalho, foi recebido com bronca. - Descobri o que tanto você faz olhando pela janela da área de serviço. São as camisolas indecentes da oxigenada, não são? Fala! Desembucha logo! Pego de surpresa, Esteves ficou vermelho, disfarçou, piscou os olhos várias vezes e recuperado mentiu: - Camisolas? Quê camisolas? Você tem cada uma! - Esteves, não mente pra mim. Conheço você. Quando seus olhos piscam desse jeito é porque está mentindo. - Virou psicóloga agora? Eu lá sei do que você está falando! Pegou o marido pelo braço e o levou para a área de serviço, apontando para as camisolas penduradas no enxugador. - Olha, tudo camisola de depravada, de galinhona sem-vergonha. Vou falar com o síndico. - Falar o quê? Vai proibir a vizinha de colocar as camisolas pra secar? O síndico vai rir na sua cara. Tira isso da cabeça. Eu nem tinha reparado. Você que me chamou a atenção. Precisa arrumar algo de útil para ocupar a cabeça. O marido foi tão convincente que Neidinha acreditou na inocência dele e ainda achou que sua mente é que era depravada. Esteves continuou olhando as peças íntimas. Porém, agora, tomava cuidado para que a mulher estivesse num sono profundo para não ser pego em flagrante. De madrugada ficava horas se deliciando com as camisolas. A vizinha tinha uma coleção. De todas as cores, texturas, curtinhas, de seda, de alcinhas, transparentes. Ele adorava quando ela colocava uma mini-camisola preta de renda para secar. Voava em pensamento até o outro apartamento. Acreditava que as fantasias inconfessáveis eram o tempero da vida. Com o tempo, a obsessão cresceu. Certa noite, sonhou que corria por uma rua estreita de paralelepípedo perseguido por baby-dolls e camisolas. Quando elas se aproximavam, transformavam-se em Neidinha. Ele acordava, assustado, e gritando: - Sou inocente! Não tenho culpa! Juro! Não olho mais! Não olho mais! A esposa também acordava. - Tá maluco? Quer me matar do coração? Ainda sonolento, Esteves ia até a cozinha beber água e aproveitava para namorar a área de serviço vizinha. E lá estavam elas. Secando, sensuais e coloridas, chamando-o para um mundo de fantasias. Engolia em seco, voltava para a cama e antes de pegar no sono, olhava decepcionado para Neidinha. Numa sexta-feira, voltando do trabalho, Esteves deixou o carro na garagem e caminhava em direção ao elevador, quando sentiu um toque suave nos braços. Olhou, arrepiado. Era ela: a dona das camisolas. Mais bonita de perto do que imaginara. Ela sorriu e lhe falou: - Boa noite. Sou sua vizinha Lúcia. Estou cheia de compras de supermercado no carro, o senhor pode me ajudar? - Com muito prazer! Me dá, por favor, eu levo todas. - Desculpe, não queria incomodar. A força de Esteves duplicou. Pegou três sacolas em cada mão. Subiram em silêncio no elevador. Quando chegaram no apartamento de Lúcia, ela perguntou como poderia agradecê-lo. Ele respondeu, enternecido: - Foi um prazer. Quando quiser, é só chamar. Ela insistiu tanto, que ele arriscou. Com uma voz rouca, falou, timidamente, o que desejava. Lúcia convidou-o para entrar. - Só isso? Tem certeza? - Tenho! Esteves sentou-se no sofá. Lúcia gritou do quarto: - Aumenta o som! Lá vai a primeira! Saiu desfilando com um baby-doll vermelho transparente, bordado de rendinhas. Depois, vieram um lilás, um prateado, um preto, um branco. Esteves parecia um menino ganhando o primeiro presente de aniversário: soltava gritinhos, batia palmas e pulava no sofá dando mordidinhas nas mãos. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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