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Contos
04/02/2008 - 09h04
As duas vidas do Souza
Celamar Maione
 

Souza tirava o vestido de Luzineide, quando ela parou e empurrou o amante.
- Me responde agora: ou ela ou eu?
- Não entendi. Ela quem?
Luzineide colocou o vestido e recostou-se na cama.
- Não se faça de desentendido. Ou eu ou a sua esposa?!
- Agora não é hora disso. Vem cá que eu estou cheio de tesão.
- Me larga. Você não trepa comigo enquanto não decidir.

Souza ainda tentou continuar com os carinhos, mas Luzineide esfriou. Queria discutir a relação. Chateado, vestiu-se e deu um beijo na amante.
- Tchau. Outro dia a gente conversa.
Ela o segurou pelo braço. Souza silenciou. Percebendo que não havia jeito, Luzineide jogou:
- Você tem um mês para decidir. Um mês! Depois, você vai ter que escolher: ou ela ou eu!

A atitude da amante não o abalou. Chegou em casa e assim que abriu a porta, escutou a voz acolhedora da esposa:
- A comida tá no microondas, é só esquentar.
Jantou na cozinha, em silêncio. Depois, como de costume, tomou banho, colocou água de colônia e deitou-se ao lado de Maria do Carmo. Encostou os pés frios nos pés quentinhos da esposa. Sentiu-se protegido.
- O que é que você está assistindo?
- Um filme. Quer que eu troque de canal?
- Não, pode deixar. O importante é estar ao seu lado.

Adormeceu abraçado a Maria do Carmo. Pela manhã foi acordado com café na cama.
- Nossa, quanta mordomia! – brincou.
- Fazemos 18 anos de casados hoje! Esquecidinho, né?

Combinaram jantar no restaurante preferido de Maria do Carmo. Souza amava a esposa. Mas também amava Luzineide. As duas o completavam. A esposa era o porto seguro. Luzineide o lado selvagem e irresponsável. Só que agora a amante o pressionava. Não saberia escolher. A adrenalina da bigamia o excitava. Escolher seria como amputar-lhe uma parte do corpo. Continuou visitando Luzineide às quintas-feiras, sem pensar em prazo. Estranhamente, ela estava mais carinhosa.
- Pra mim o perfume?
- Presente de aniversário de casamento. - Luzineide ironizou.
- Mas o que é que eu vou dizer em casa chegando com esse perfume?
- Diz que é presente de um cliente. Quando você quer, você sabe mentir.

Passou a ganhar toda semana roupas e cuecas novas. Luzineide queria que as roupas ficassem na casa dela, para quando ele se mudasse definitivamente. A esposa também lhe agradava com docinhos, comidinhas especiais e cócegas nos pés. Vaidoso, aceitava o carinho e sentia-se o maior amante do mundo. "As mulheres disputam meu amor" - pensava. Encontrara, enfim, a vida sonhada por todo homem, acreditou.

Quando o prazo dado por Luzineide terminou, ela exigiu uma resposta. Souza disfarçou. Mas ela foi enfática:
- É tudo ou nada. Ou eu ou ela?
- As coisas não são bem assim. Você está se precipitando.
- Eu estipulei um prazo, Souza. Quero a resposta.
- Estamos felizes assim. Você nasceu para ser amante. Tem o dom. O traquejo.
- Isso é um deboche. Nenhuma mulher nasce para ser a outra. Responde!

Colocado contra a parede, escolheu não escolher. Com raiva da apatia do amante, expulsou-o aos gritos:
- Quem vai decidir essa situação sou eu! Você vai ver! EU!

Depois de uma noite insone, colocou as roupas de Souza em uma mala, e foi até a casa dele. Tocou a campainha, decidida. Maria do Carmo atendeu, distraída. Surpreendeu-se com Luzineide, que a empurrou e entrou na casa gritando:
- Tá vendo essa mala aqui?
Maria do Carmo manteve-se calma.
- Sim, o que é que tem?
- São as roupas do SEU marido.
Abriu a mala e jogou tudo no chão.
- Tá vendo? As roupas que ele usa quando vai lá em casa foder comigo!

Maria do Carmo olhava sem nada dizer. Luzineide falava compulsivamente. Contou que eram amantes há seis anos e que se davam muito bem na cama. Quando silenciou, Maria do Carmo fez cara de enfado e perguntou:
- Aceita um café?

A amante bateu a porta e foi embora com raiva, sentindo uma ponta de inveja ao ver o equilíbrio da outra. "Nem bonita ela é" - pensou. De noite, quando Souza chegou do trabalho, Maria do Carmo, numa calma cínica, mostrou as roupas.
- Hoje veio uma mocinha aqui, muito nervosa, e deixou essas roupas pra você.
Souza ficou vermelho. Tentou se explicar. Gaguejou. A esposa sorriu vitoriosa.
- Não precisa me explicar nada. Aproveita e usa essa camisa bonita no aniversário do seu irmão amanhã.
- Não vai me xingar? Me expulsar? Não está aborrecida?
- Você é meu marido! Dorme todas as noites comigo. Ela é vadia. Mulher da rua.
E continuou a conversa tranqüilamente:
- Olha só, até que a pobrezinha tem bom gosto!

O casamento não ficou abalado. Decepcionada, Luzineide passou a desabafar suas desventuras amorosas com uma vizinha que fora abandonada pelo noivo. A dor as uniu. Nas noites solitárias, consolavam-se. Passada a raiva, ligou para Souza e contou que estava transando com a vizinha. Para irritá-lo, disse que a mulher era boa de cama. Souza duvidou. Quis visitá-la. Luzineide aceitou. Durante o trajeto, pensava, excitado, que ter duas mulheres era bom, três, então, seria encontrar o paraíso perdido. Deu um sorriso tarado e acelerou o carro, empolgado, pensando nas coxas grossas da amante.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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