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Contos
28/01/2008 - 07h10
Falsa gravidez
Celamar Maione
 

Assim que saiu do consultório da ginecologista, Mariana ligou para a mãe.
- Me encontra na rua da Alfândega.
Quarenta minutos depois estavam juntas. Dona Cremilda, esperançosa, pergunta:
- Vou ganhar meu primeiro neto?
- Não. Rebate falso.
- E o que é que você vai dizer para o Oziel?
- Que estou grávida.

Mariana e Oziel estavam casados há 12 anos. Louco por criança, na lua-de-mel, Oziel fez Mariana prometer que engravidaria no primeiro ano de casamento. Durante três anos tentaram inutilmente. Consultaram médicos, pais de santo, astrólogos, cartomantes e todos foram unânimes em dizer que logo Mariana seria mãe. O tempo passou e as previsões não se confirmaram. Oziel se ressentiu.
- Todos os meus amigos têm filhos, sou o único pai de ninguém. Queria ver minha casa cheia de criança. Queria rolar na grama com meu filho, jogar bola, levá-lo para ver meu mengão.

Quando sugeriam que adotasse uma criança, Oziel ficava vermelho e gritava:
- Nunca! Adotar, nunca! Quero filho sangue do meu sangue.
Culpou Mariana. Dizia que ela trabalhava demais, por isso não engravidava. A esposa largou o trabalho. Dois anos e nada. Oziel arrumou outra desculpa. Mariana não agüentava mais a pressão. Quando ia ao ginecologista, na volta, era um desespero encontrar Oziel como um cão de guarda a cobrar-lhe gravidez.
- Novidade?

Cansada de viver doze anos de cobranças, dessa vez, garantiu para a mãe, seria diferente. Mentiria para Oziel. Dona Cremilda acreditou que a pressão sofrida para Mariana engravidar desnorteara-lhe a cabeça.
- Seja sincera com seu marido. Mais cedo ou mais tarde ele vai descobrir.
- Não se mete, mãe. Do Oziel cuido eu!
Quando Mariana chegou em casa, Oziel esperava-a ansioso.
- Vou ser pai? Hein? Está grávida?
Mariana abraçou o marido e respondeu, dissimuladamente:
- Parabéns! Finalmente você vai ser papai!
- Jura?
- Juro por essa criança que está na minha barriga! Seu filho!

Oziel urinou de felicidade na frente de Mariana. Parecia criança ganhando presente de aniversário. Dava soco no vento, pulava e gritava entusiasmado:
- Meu filho vai ser flamenguista que nem eu!
Ligou para a mãe, os irmãos e até para o chefe e contou eufórico a novidade. Mariana achou o marido patético. Deu boa noite e foi dormir com a consciência tranqüila. No dia seguinte, Oziel chegou do trabalho agitado, cheio de embrulhos.
- Mariana, vem ver o que eu comprei para o nosso bebê.

Mariana olhava as minúsculas roupinhas com um falso sorriso nos lábios. O enxoval era todo azul. Ela resolveu protestar para dar mais veracidade à gravidez inexistente:
- Oziel, você só comprou roupa azul! E se for menina?!
- Vai ser macho! Sonhei que era menino e vai se chamar Oziel.

Com o passar do tempo, Mariana não se apiedou de mentir para o marido. Pelo contrário, sustentava a mentira, e dava detalhes sordidamente:
- Oziel, tenho novidades!
- Já sabe o sexo do bebê?
- Ainda não. Mas a ginecologista me disse que são gêmeos. Coloca a mão na minha barriga. Vem, Oziel, sente os bebês!

As mãos de Oziel tremiam. Chorou de emoção. Resolveu oferecer um churrasco no final de semana para comemorar a chegada dos gêmeos. Preocupada, dona Cremilda colocou a filha contra a parede:
- Mariana, você está levando essa brincadeira longe demais.
- Qual o problema? Nunca vi meu marido tão feliz!
- Uma felicidade falsa. Não existe criança nenhuma.
- Deixa comigo. Vou resolver o problema no tempo certo.
Cremilda ameaçou a filha:
- É bom mesmo. Se daqui a uma semana você não acabar com essa farsa, quem vai acabar com ela, sou eu.
- A senhora não tem o direito.
- Tenho.

Durante a noite, Mariana rolava de um lado para o outro. Acabou acordando Oziel:
- Não consegue dormir?
- A barriga tá mexendo. Vem, coloca o ouvido. Sente os bebês.
Com cuidado, Oziel fez o que a esposa pediu.
- Tá sentindo os gêmeos?

O marido estremeceu, emocionado. Os olhos de Mariana brilhavam. Um brilho sombrio, misterioso, sádico. Ela passou a língua pelos lábios e sorriu. Na sexta-feira, Oziel foi trabalhar e na hora do almoço encontrou-se com Mariana. Iriam juntos ao ginecologista para uma consulta de rotina. Pararam para atravessar, na Avenida Presidente Vargas, esquina com Avenida Rio Branco, no Centro da cidade.
- Anda, Oziel, vamos atravessar!
O marido gritou:
- Agora não! Olha o ônibus!!!
- Vem que dá!

Mariana puxou Oziel pela mão e voltou. De repente a freada e o estrondo. Gritaria. Oziel estava debaixo das rodas do ônibus. O motorista urrava, desesperado, pela Avenida Presidente Vargas:
- Não tive culpa! Ele apareceu de repente! Não tive culpa!

Os pedestres rodearam o local do atropelamento. Enquanto o tumulto crescia, Mariana pensava: "Hora do show!" Ela se jogou no asfalto, puxou as pernas do morto e gritou alucinadamente:
- Meu marido não tá morto! Pára de brincadeira, Oziel! Levanta daí! Quem vai cuidar dos nossos bebês?! Sai debaixo do ônibus!! Saiiiiiii... socorro!!!


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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