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Contos
14/01/2008 - 13h13
A esposa e o santo
Celamar Maione
 

Tarde de sábado de muito calor. Yeda está na cozinha com a irmã fazendo um bolo, quando Moacyr entra e despede-se:
- O Carlos chegou. Vou jogar minha peladinha. Lá pelas oito tô de volta!

Antes de ir, vai até a imagem de Santa Expedito, que fica na estante da sala, faz uma oração, benze-se e sai. Jussara olha de longe e comenta com a irmã:
- E aí, como vocês estão?
- Na mesma, Jussara. Moacyr já virou parente, parece irmão.
- Você precisa apimentar o casamento. Por que não aceita a minha idéia?
- Ele é muito moralista . Imagina se vou convidá-lo para ir num sexshop.
- Lá tem brinquedinhos muito interessantes.
- O Moacyr é católico fanático. Acha que tudo é pecado. Ainda tem o Santo Expedito.
-O que é que tem o santo?
- Sabe aquela imagem enorme que tem lá no quarto?
- Sei.
- Da última vez que a gente tentou alguma coisa, ele disse que não conseguia pensar em sexo por causa do olhar fixo do santo em cima dele.
- Tira do quarto. Coloca em outro lugar. Eu, hein!
- Moacyr me mata. Deus me livre! É todo chameguento com a imagem...

O marido era devoto fervoroso de Santo Expedito. Aos 5 anos de idade teve leucemia e foi desenganado. Mas, contrariando as previsões catastróficas dos médicos, sobreviveu. A mãe, dona Carmosina, atribuiu a cura às promessas e orações, feitas ao santo das causas urgentes. Moacyr se apegou a ele. Como gratidão, aos domingos, vai à missa das seis e todo final de ano distribui cestas-básicas, além de confessar-se com padre José. Por saber que o marido é defensor ferrenho da moral e dos bons costumes, Yeda tem medo de falar sobre sexo na intimidade da cama e ser mal-interpretada.
- Jussara, você conhece o Moacyr. Agora ele deu para dizer que as mulheres de hoje estão muito vulgares. Acha mesmo que devo levá-lo ao sexshop?
- Então vai sozinha, compra um brinquedinho e mostra pra ele, com jeitinho.
- E se ficar ofendido?
- Arrisca. Não custa nada. Sexo faz bem pra pele.

Antes de dormir, pensou na conversa que teve com a irmã. No dia seguinte foi trabalhar e na hora do almoço, passou na porta de um sexshop no centro da cidade. Avistou um casal saindo aos beijos. Começou a suar nas mãos. Engoliu em seco. Não teve coragem de entrar. Deu meia volta e retornou ao escritório. Passou a tarde dispersa. No final do expediente, resolveu voltar à loja. Pesquisou a vitrine durante meia hora. Tomou coragem e entrou, reparando tudo em volta com curiosidade. Pediu uma sugestão. A vendedora mostrou-lhe vários objetos. Acabou fazendo sua escolha e saiu apreensiva com o embrulho.

Chegou em casa uma hora mais tarde. Moacyr esperava-a, preocupado. Durante o jantar, Yeda pensava na melhor maneira de falar com o marido sobre o sexshop. Deu a última garfada, colocou o garfo de lado, e pronunciava a primeira palavra, quando Moacyr a interrompeu:
- Yeda, trocou a água do copo do Santo Expedito?
- Vou trocar. Esqueci. Desculpa.
- Fala, o que você ia me dizer?
- Nada. Bobagem. Até esqueci o que era!

Depois do jantar, Moacyr ficou na sala assistindo ao noticiário, enquanto Yeda aproveitou e ligou para a irmã:
- Jussara, fui lá.
- E aí, comprou alguma coisa?
- Comprei, só não sei qual vai ser a reação do Moacyr.
- O que você comprou?
- Depois eu falo. Tchau.

Ficou envergonhada de contar os detalhes da compra. Apesar da cumplicidade que tinham, Yeda sempre foi muito reservada e se arrependera de revelar suas intimidades sexuais para a irmã. Na hora de dormir, antes de entrar no quarto, foi ao banheiro. O marido deu-lhe boa noite, fez a oração habitual em frente à imagem de Santo Expedito e deitou-se. Dez minutos depois, quando Yeda entrou no quarto, Moacyr já havia adormecido.

Durante os dias que se seguiram, reuniu forças para ter a tão esperada conversa. Decidiu que não passaria de sexta-feira. Deitaram-se ás onze da noite. Yeda começou a acariciá-lo. O marido estranhou:
- Tá carinhosa hoje. O que deu em você?
- Peraí.

Levantou-se, foi até o armário, pegou o embrulho e entregou a Moacyr. Ele abriu o pacote rapidamente, cheio de curiosidade.
- Quê é isso? - franziu a testa, espantado.
- Um vibrador!
- Vibrador?!! Eu sei, mas pra quê?!
- Ué, pra gente usar! A moça do sexshop me explicou que é super macio, flexível.
- Sexshop? Você entrou num sexshop?!

Moacyr apalpou o objeto em silêncio. Os olhos brilharam. Pediu licença a esposa e se trancou no banheiro com o vibrador. Cansada de esperar pelo marido, adormeceu. Sonhou que beijava, com ardor, o dono do botequim da esquina. Durante o beijo, abria os olhos e se deparava com a imagem de Santo Expedito piscando para ela.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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