Assim que Dorinha entrou no carro, começou a discussão. - Detesto esse vestido. - Tá bonita. - Me sinto mal nele. Me aperta, acho que engordei. - Então por que colocou? - Você fica me apressando. Não pode chegar tarde no churrasco do César. César pra cá, César pra lá, parece que ele é o seu namorado. - Dorinha, quer fazer um favor? Dá um tempo. Sem discussão. Foram no carro em silêncio. Agnaldo aumentou o volume do rádio, enquanto Dorinha amarrou a cara. Namoravam há um ano. Nos últimos dois meses brigavam muito por causa de ciúme. Agnaldo sentia-se aprisionado. No início da relação, apaixonadíssimo, deixou Dorinha comandar-lhe os passos. Abriu mão do jogo de futebol nos finais de semana e dava satisfação de tudo o que fazia. Depois de seis meses de relacionamento, não tomava nem mais o chopinho com os amigos. Passado o calor da paixão, Agnaldo cansou do controle obsessivo de Dorinha e mesmo gostando dela, queria a separação. Porém, quando tocava no assunto, ela o ameaçava: - Se terminar, faço uma loucura, mas antes, enlouqueço você! Com medo de se tornar vítima de uma tragédia passional, preferiu esperar o momento apropriado para acabar o namoro, culpado pelas suas noites insones. Como se não bastasse, os amigos encarnavam nele e passaram a chamar sua namorada de Dorinha Pitt Bull. Chateado com o apelido, não tinha ânimo para contestar pois, no fundo, sabia que eles tinham razão. Assim que o casal chegou no churrasco, a maledicência tomou conta do ambiente. - Lá vem nosso amigo acompanhado da Dorinha Pitt Bull. - Cuidado! Se ela descobre o apelido vai ficar puta e o mundo vem abaixo. - A danada é bonita. Que corpo! - Foi o que chamou a atenção do Agnaldo. Agora agüenta. Enquanto os convidados comentavam a chegada do casal, Dorinha, alheia às fofocas, isolou-se e amarrou a cara, justificando o apelido. De longe, prestava atenção em tudo, enquanto Agnaldo, simpático, abraçava os amigos. Meia hora depois, Agnaldo sentou-se ao lado de Dorinha e ouviu a reclamação: - Pensei que fosse me deixar sozinha. Ele ignorou o comentário. Jurara não se aborrecer. - Quer carne? Maionese? - Não. Quero uma cerveja. - Mas você não bebe! - Hoje vou beber. Bebeu e não comeu nada. Já estava na quarta lata de cerveja quando começou a implicar com uma morena de cabelos longos, que estava de mini-saia. - Agnaldo, quem é aquela escrota olhando para você? - Quem? Não tem ninguém olhando pra mim. - Aquela ali. - Não aponta. - Você também está olhando para ela. Tá com uma calcinha branca. A saia é tão curta que aparece o útero. - Não reparei. - Tá cego? A mulher tá toda aberta na nossa direção, de calcinha branca encardida e as pernas cheias de varizes. - Pelo amor de Deus, não me arranja confusão! Ela é irmã da Betina, namorada do Joel. - Então você sabe muito bem quem é a piranhinha. - Vamos embora. Você já bebeu muito. Não quero confusão. - Quero beber mais. Mais uma cerveja. Umazinha só. Bebeu mais do que devia e foi tomar satisfação com a morena: - Dá para fechar as pernas? Todo mundo já viu a sua calcinha encardida. Indignada, a outra se defendeu: - A vida é minha, a calcinha é minha e eu abro a perna para quem eu quiser. Dorinha irritou-se: - Não para o meu namorado! - Não tenho culpa se você não é gostosa como eu! A morena tirou a calcinha e esfregou no rosto de Dorinha. A baixaria começou. Dorinha jogou a lata cheia de cerveja em cima da rival. Uma enfiava o dedo na cara da outra. Agnaldo envergonhou-se diante da atitude da namorada. Quando se aproximava para separar a briga, Dorinha subiu na mesa e gritou, embriagada e fora de si: - Vamos ver quem é a mais gostosa agora? DJ coloca uma música de suspense! Os homens assobiaram empolgados. As mulheres, com raiva, vaiaram. Dorinha não se intimidou. Com a ajuda da platéia masculina, que batia palma, dançava e tirava a roupa. Agnaldo olhava a cena surreal, enojado e constrangido. César se aproximou. - Quer? Eu paro a música. Ajudo você a tirar a Dorinha da mesa. - Tô fora! Vou me embora. Mulher carente é uma merda. Ainda viu Dorinha vomitar no labrador de César que se aproximou da mesa. Apressou o passo e quando estava na porta, sentiu uma mão feminina tocando-lhe o ombro. Era a morena da calcinha branca. - Posso ir com você? Agnaldo deu um sorriso entediado. - Fica para a próxima. Desculpe, quero ficar sozinho. Correu até o carro e antes de dar a partida, ligou o rádio bem alto. Acelerou e abriu a janela quando chegou na Auto-Estrada Lagoa-Barra. O vento no rosto deu-lhe uma infinita sensação de liberdade. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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