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Contos
26/12/2007 - 10h05
Trágico reencontro
Celamar Maione
 

Martinha voltava do trabalho de trem, acompanhada de Jurema. Conversavam amenidades, quando de repente, Martinha deu um grito:
- É ele! Tenho certeza! É ele, sim! Vigarista!
Jurema estremeceu.
- Que susto! Ele quem, mulher?
- O Gerson. Vivinho. Sorridente. Aquele ali.
- Onde?
- Aquele branquinho de camisa azul, com uma criança de uns dois anos no colo e uma mulher ao lado com cara de pão dormido.
- Já vi! O que tem ele?
- Lembra quando eu disse que estava namorando, e o cara evaporou?
- Lembro, lembro.
- Então. É ele. Sofri pra caramba. Vou lá perguntar porque ele sumiu.
- Mas isso já tem uns quatro anos.
- E daí? Me deve uma satisfação. Ele me sacaneou.

Levantou-se. Jurema puxou-a pela blusa.
- Senta aí. Não vai a lugar nenhum.
- Vou. Me solta.
- Já passou. O cara tá com a mulher e o filho.

Não deu ouvidos. Pediu licença aos passageiros que viajavam de pé e aproximou-se. Gerson continuava brincando com o menino no colo. Martinha pigarreou. Nada. Resolveu sacudir-lhe o braço falando ironicamente:
- Lembra de mim, Gerson?
Levantou a cabeça espantado. A acompanhante olhou um e outro. Gerson fitou Martinha durante alguns segundos antes de responder:
- Lembro! Você é a... Martinha! Isso. Como é que vai? Quanto tempo!
- Cara-de-pau!
- O quê?
- Você é um vigarista, cara-de-pau!
- O que é isso? Tá maluca? Lhe fiz alguma coisa?
- Me abandonou.
- Abandonei?! Eu?! Nem lembro, tem tanto tempo.

A mulher ao lado de Gerson pegou a criança.
- Me dá meu filho aqui antes que sobre pra ele. Mulher louca!
Martinha se enfureceu e estufou o peito.
- Louca é você, casada com esse pilantra! Devem ser cúmplices!

Começou a discussão. Os três falavam ao mesmo tempo. A criança chorava. Os passageiros se meteram na confusão:
- Dá dura no cara!
- Manda ver. Dá uma porrada nele!
Jurema chegou puxando Martinha.
- Olha o vexame. Chega de show!
O trem parou. Gerson saiu apressado.
- Vamos, Gorete, vamos, que essa mulher pirou.

Martinha saiu também. Seguiu os três.
- Vou descobrir onde esse cachorro mora. Não tem perdão o que ele me fez!
Dois quarteirões depois, Gerson entrou numa casa de portão marrom. Um cachorro vira-lata recebeu a família balançando o rabo. Martinha observava de longe.
- Então ele mora aqui. Sabe onde ele dizia que morava? - falou com Jurema.
- Onde?
- Méier. Mentiroso. Mora em Bangu.
- Mas isso já tem tempo. Ele casou, se mudou, teve filho e nem aí pra você.
- Vai me pagar. Um ano chorando por causa dele. Dizia me amar. Fomos pra cama e ele sumiu depois.
- Isso é normal hoje.
- Não comigo! Encontrar esse vigarista mentiroso ao lado de outra me machucou.

Durante a noite, Martinha não pregou o olho. A raiva lhe consumia o coração. No dia seguinte, chegou atrasada no trabalho. Jurema, preocupadíssima com o atraso, falou:
- Seu Honório está furioso. Onde você estava? Liguei pra sua casa, sua mãe disse que você tinha vindo trabalhar. Celular fora de área, o que aconteceu?
- Fui lá.
- Lá aonde, meu Deus!?
- Na casa do Gerson. Vi quando ele saiu para o trabalho. A mulher foi com ele até a porta, a criança no colo.
Jurema aproximou-se de Martinha e falou com ar apiedado:
- Esquece. Você está revivendo um sofrimento sem sentido. Tortura-se á toa. Vamos ao cinema. Precisa se distrair.

Na hora da saída, recusou o cinema. Seguiu para Bangu. O coração apertou quando viu Gerson chegar. Foi recebido pela mulher e pelo vira-lata. A cena feriu-lhe a vaidade. Não suportava ver a felicidade no rosto do homem que a abandonara. O coração doía como se o abandono tivesse acontecido no dia anterior. Ir até a casa de Gerson, vigiar-lhe o cotidiano, tornou-se um hábito. Dava plantão no final de semana. Acompanhava-o junto à família, de longe. Cada sorriso da criança, cada gesto da mulher, era uma estocada no peito. "Podia estar no lugar da outra" - pensava. O diabinho interior a incentivava. "Largou você para ficar com ela. A família é feliz às custas da sua tristeza".

Não tinha mais vida própria. Pediu demissão. Não procurava as amigas. Vivia a vida da família que não era a dela. Só assim os dias tinham sentido. O despeito a consumia. "Não era justo" - pensava - ele feliz ao lado da outra e ela, abandonada. Humilhada. Ficou ressentida pela vida que, acreditava, haviam lhe roubado. Não suportava a dor. O diabinho martelava vinte e quatro horas incentivando uma vingança. Movida por pensamentos de ódio, decidiu que o diabinho tinha razão. Comprou a arma com um conhecido infiltrado no mundo do crime.
- Vê lá o que vai fazer! Arma na mão de mulher é sinal de confusão.

Passava das sete da noite quando bateu na casa de Gerson. Gorete atendeu.
- Pois não?
- Lembra de mim?
Gorete olhou por alguns segundos.
- Do trem?
- Exatamente.
- O que você quer? O Gerson ainda não chegou do trabalho.
- Não quero ele. Meu negócio é com você.
Antes que perdesse a coragem, abriu a bolsa, tirou a arma e apontou para Gorete.
- Tá maluca? O que é isso? Ei...

Dois tiros certeiros no peito de Gorete. Gerson chegou na hora. Deu um grito desesperado. Se ajoelhou no chão, chorando como criança, agarrado ao corpo sem vida. Com a baba saindo pelo canto da boca, gritou para Martinha, que o olhava ensandecida, ainda com a arma na mão:
- Por que, sua louca?! Por que matou minha irmã?!


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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