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Contos
26/11/2007 - 18h40
A sobremesa
Celamar Maione
 

Onze horas da manhã de um sábado nublado. Célia Regina está na cozinha preparando o almoço, quando Olavinho chega com as compras.
- Pronto. Está aí. Tudo o que você me pediu.
Assim que tira as compras da sacola, grita para o marido:
- Olavinho, vem aqui na cozinha um instante.
- Peraí. To trocando de roupa. O que foi?
- Você esqueceu da sobremesa!
- Que sobremesa?
- Cadê a lista de compras? Me dá aqui. Eu escrevi no papel.

Olavinho procurou no bolso da bermuda e não encontrou.
- Joguei fora - resmungou, contrariado.
- O que eu esqueci dessa vez?
- Os pêssegos e o biscoito champagne para o pavê.
- Substitui o pavê pela banana. Eu trouxe banana. Faz banana frita.
- Puxa, Olavinho, você sabe que mamãe adora pavê de pêssego. Ela não vem almoçar aqui em casa há mais de um mês. Não custa nada agradar.
- Custa, sim. Minha ida ao supermercado. Diz a ela que pêssego está em falta.
- Eu vou fazer isso com a minha mãe? Ela vai acreditar?
- E o que é que você quer que eu faça? Que eu volte naquele supermercado cheio, com aquele povo passando com o carrinho por cima do meu pé?
- Vai. É rapidinho. Não posso ir. Tenho que fazer o empadão.
- Ah, não! Vou tomar minha cervejinha. Esquece a sobremesa.
- Deixa de ser imprestável.
- Quem inventou esse almoço foi você. Hoje é sábado, dia do meu descanso. Já fiz a minha parte. Agora, tchau!
- Você NUNCA faz nada do que eu peço!
- Como não? Você é que é uma insaciável. Nunca está satisfeita com nada.
- Como eu posso ficar satisfeita com um marido que usa cueca furada e que só quer saber de encher a cara final de semana?
- E você? É a senhora perfeita por acaso? Quem é que chega do trabalho e deixa calcinha suja jogada no quarto? Ou então fica duas horas no telefone fofocando?
- Sinal de que tenho amigas!
- E mulher tem amiga? Mulher tem concorrente. Ou você já se esqueceu que eu era namorado da sua ex-melhor amiga?
- Agora eu entendo porque ela abriu mão tão fácil. Bela porcaria!
- Porcaria? No início bem que você gostava. Chegava a urrar!
- Tudo jogo de cena - ironizou Célia Regina.
- Eu sei. Vocês são todas umas falsas!

Olavinho anda de um lado para o outro, imitando voz de mulher: - "Nossa! Como a fulana ficou feia com aquele vestido! E o marido da sicrana, hein? Tá saindo com outra, sabia não, queridinha?"
- Até que você leva jeito, hein - ironizou Célia Regina.
- Vocês são umas invejosas! Vivem falando mal umas das outras. Falam demais. Enchem os nossos ouvidos. É por isso que tem muito homem virando gay.
- Você também quer virar, Olavinho?
- Não disse isso. Não coloque palavras na minha boca. Mulher tem essa mania.
- E homem que só é unido na hora de torcer pro mesmo time?
Olavinho completa:
- E na hora da cervejinha, e eu já vou tomar a minha. Dá licença.

Para chamar a atenção do marido, grita quando ele abre a porta da rua:
- Sabe por que eu fico duas horas no telefone? Pra não precisar olhar para a sua cara de entojo!
Ele fecha a porta e volta.
- E você acha que eu estou satisfeito de olhar pra sua? De estar casado com uma mulher que pinta o cabelo de vermelho?
- Você é um grosso mesmo! Estou cansada de tanta grosseria.
- Ah é? Então vai morar com a mamãe, Célia Regina!
- E deixar a casa pra você enfiar sua amante aqui dentro?
- Que amante? Aturar uma mulher já é difícil, vou aturar duas?
- Você pensa que eu não sei?! Dona Zulmira viu você no metrô com uma loira.
- Tá doida?!
- Sabia. Você está me traindo! Esse é o primeiro sintoma do adúltero, chamar a mulher de maluca! Se eu sou maluca, você é um broxa. Sabe há quanto tempo não sei o que é ter um homem?
Olavinho olha para o teto, coloca as mãos pra cima e diz:
- Essa encheção de saco toda, por causa de um pêssego!

Célia Regina já ensaiava uma resposta quando a campanhia tocou. Era Maria Odete que entrou reclamando:
- Vocês não têm vergonha, não? Dá para ouvir a gritaria assim que a gente coloca os pés na Vila. Ninguém está interessado em saber da vida sexual de vocês.
- A culpa é do Olavinho. Ele não quer comprar uma simples lata de pêssego em caldas e biscoito champagne. Eu quero fazer o pavê de pêssego que a senhora gosta... e...
- Sua filha que é culpada! Ela acha que sou empregado dela.
- Vamos parar com essa briga inútil. Vim aqui pra almoçar. Sou visita. Só quero saber de uma coisa, você vai ou não vai comprar o pêssego e o biscoito para fazer o pavê da sua sogrinha?

Ele pensou, respirou fundo, passou a mão pelo queixo e disse:
- Tá bom! Tá bom! Lá vai o babaca de novo pro supermercado. Vocês venceram!

Resmungando, sai batendo a porta. Maria Odete balança a cabeça de um lado para o outro e diz:
- Coloca uma coisa na sua cabeça, minha filha, eles reclamam, mas acabam fazendo o que a gente quer. No casamento, quem manda, é a mulher.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Atualmente, é Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou, recentemente, Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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