Leôncio deu um soco na mesa assustando a mulher e a filha. - Já disse que é NÃO e pronto! - Mas pai, o que o senhor tem contra ele? - Não discuto com filha. É não e acabou! Encerrada a discussão. A esposa, sentindo o marido exaltado, preocupou-se. - Querido, senta e toma o café com calma, vai passar mal assim. Acabaram de comer em silêncio. Quando Leôncio foi ao quarto, pegar as chaves do carro, a esposa foi atrás. - Não consigo entender a raiva que você tem do Luizinho. Por que a Jane não pode namorar com ele? Você sabe de alguma coisa que a gente não sabe? - Vai recomeçar a ladainha? - Estamos só nós dois. Me explica. A Jane está com 16 anos, é quase uma mulher feita. Estamos no século vinte e um e não existe mais essa história de pai escolher namorado para a filha. - Esse rapaz tem 25 anos! Começam a namorar, ela engravida e daqui a pouco temos um bebê para cuidar. É não e pronto! Chateado com a insistência da esposa, deu as costas e saiu pisando firme. Laurinda não queria ver a filha pelos cantos da casa. A proibição deixou Jane tristonha. Além de perder o apetite, também perdeu o interesse pelos estudos. No caminho para o trabalho, o celular de Leôncio tocou. Ele parou o carro e atendeu irritado. - O que você quer? Hoje, não! Amanhã. No mesmo lugar de sempre. Você me pega na rua do canal. Leôncio desligou o celular, colocou um CD de música clássica e acelerou o carro. O pensamento foi longe. Enquanto isso, em casa, Jane chorava no colo da mãe. - Não consigo entender esse ódio que papai tem do Luizinho. - Ele não tem ódio do seu namorado, apenas quer preservá-la. Seu pai tem ciúme de você. - Será? Ele nunca teve ciúme dos outros namorados. Estranho. - Eles tinham a sua idade. Esse rapaz é bem mais velho. - Mas gosto tanto do Luizinho, mãe! O que é que eu faço? - Namora escondido, filha. Se seu pai descobrir, me entendo com ele. Agora vamos, não quero me atrasar para o trabalho e você tem prova hoje. À noite, o clima durante o jantar foi pesado. Leôncio comeu num silêncio constrangedor. Depois da refeição, Jane trancou-se no quarto e ligou para Luizinho. Estava muito apaixonada pelo rapaz. Esbarraram-se quando ela saía do colégio. Foi amor à primeira vista. Ele a convidou para tomar um sorvete e uma semana depois estavam namorando. O idílio amoroso durou três semanas. O tempo de Leôncio encontrar Jane aos beijos com Luizinho, e proibir o romance. No dia seguinte, o café da manhã foi silencioso. Leôncio parecia divagar. Nem implicou com o namoro da filha. Antes de sair para o trabalho, ele avisou: - Vou chegar mais tarde hoje. Não me esperem para jantar. No final do dia, saiu do trabalho apressado. Pegou o carro e estacionou na rua do canal, como havia combinado no dia anterior. Do outro lado da calçada um Vectra preto o esperava. Entrou no carro e falou em tom magoado: - Luizinho, sabe que não gosto de chantagem. Usar minha filha? Isso é golpe baixo! - Não, é paixão alucinada! Foi a única maneira que encontrei de fazer você voltar pra mim. Toma coragem e assume nosso amor, Leôncio. - Não posso. Sou casado. Tenho mulher, filha, irmãos. Imagina o escândalo! - Continuaremos clandestinos, então. Nosso ninho de amor nos espera. Vamos namorar um pouco? Você precisa relaxar. - Não posso demorar. Foram para o prédio de Luizinho. Leôncio era apaixonado pelo amante, mas não tinha coragem de assumir a relação, que já durava um ano. Disposto a tirar Luizinho do caminho, decidiu que aquele seria o último encontro. Beijaram-se apaixonadamente quando entraram no apartamento. Depois do sexo, Luizinho adormeceu. Leôncio esfregou as mãos, pensou na família e resolveu colocar um fim naquela romance cada vez mais perigoso e arriscado. Pegou o facão que levava na mochila, e depois de hesitar por alguns segundos, fechou os olhos e deu mais de quinze facadas no amante. Em seguida, desarrumou o apartamento para simular um assalto, limpou as digitais, trocou de roupa e foi embora tomando cuidado para não ser visto. Pegou um ônibus até a rua do canal. Jogou a arma do crime e as roupas sujas de sangue no rio. Entrou no carro sem olhar para trás. No rosto, não havia arrependimento. Chegou em casa e encontrou a mulher e a filha jantando. - Que bom que chegou, amor! Toma logo seu banho que ainda dá tempo de jantar com a gente. Ficou meia hora debaixo do chuveiro. Sentou-se à mesa junto à mulher e à filha. Quando dava a primeira garfada, o telefone tocou. Laurinda foi atender e voltou tensa. - Jane, Luizinho no telefone. Insistiu. Disse que aconteceu uma coisa terrível e tem urgência em falar com você. Leôncio correu até o banheiro, se ajoelhou no chão, colocou o rosto dentro do sanitário e vomitou as vísceras. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Atualmente, é Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou, recentemente, Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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