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Contos
16/10/2007 - 07h00
O corno cibernético
Celamar Maione
 

Elisiane vivia a frustração de um relacionamento falido. Apesar da frustração, preferia continuar casada. Medo da solidão. Covardia. Não se sabe. Empurrava o casamento com a barriga. Etevaldo, o marido, não fazia o menor esforço para reconquistar a esposa. Se a comida estava na mesa, a casa limpa e as roupas arrumadas, ficava satisfeito. Nos finais de semana passava as tardes no botequim da esquina. Adorava se reunir com os amigos para tomar uma cerveja e jogar sinuca. A cerveja, o jogo e o bate-papo com os companheiros de copo davam prazer a Etevaldo. Ele era um cabeça fresca e só queria saber de se divertir. Enquanto isso, Elisiane reclamava:
- Poxa, Etevaldo, trabalhei a semana toda e mais uma vez, vou ficar mofando em casa no sábado.
- Qual o problema? Aproveita para descansar, arrumar a casa e ver televisão. Sábado é dia da minha sinuquinha e da minha loirinha gelada. Não abro mão.

Elisiane colecionava e engolia os nãos do marido. Uma decepção atrás da outra. Queria mudar de vida. Arrumar algo diferente para fazer nos finais de semana. Cansou de se humilhar para Etevaldo, enquanto ele bebia com os amigos no botequim. Na esperança de sair do tédio dos finais de semana e incentivada por uma colega de trabalho, comprou um computador. A colega, viciada em mundo virtual, apoiou Elisiane:
- Compra um computador. Eu dou o maior apoio! Coloca internet. Vai fazer novas amizades em salas de bate-papo. Eu tenho MSN. Podemos conversar no sábado pelo computador. Você vai esquecer da existência do seu marido.

Assim fez Elisiane. Enfiou-se enfiou numa prestação e comprou um computador. Ao ver a empolgação da mulher, Etevaldo debochou:
- Quer dizer que esse computador vai distrair você? E computador distrai alguém? É bom para trabalhar e só. Eu não perco meu fim de semana na frente de computador. Mulher só gasta dinheiro em bobagem!
- Ah, é?! Pois se algum dia você precisar usar, eu não vou emprestar.
- E pra quê eu quero computador?! Eu tenho a minha loirinha gelada! Já chega no trabalho mexer em computador. Cruzes!

A mulher deu de ombros. Instalou o computador. Colocou Internet e navegou por lugares nunca antes navegados. Entrou numa sala de bate-papo com o apelido de Mulher Carente. Arranjou admiradores. Fez amizades virtuais. Passou a trocar e-mails. Viciou. Final de semana já não se importava com as cervejas do marido. Acabava o serviço de casa e se enfiava na Internet. Varava madrugadas no computador. Nem visitava mais a mãe. A mãe telefonava para choramingar. Era Etevaldo quem reclamava com a sogra:
- A senhora tem que falar com a Elisiane. Agora ela só quer saber de computador. Nem passa mais minhas roupas direito.

Elisiane não tomava conhecimento das reclamações do marido. Virava noites teclando. Ia trabalhar insone. Arrumou um amante virtual. Tornou-se uma pessoa mais feliz. Cantava pelas ruas. Trabalhava com prazer, apesar dos olhos pesados de sono. Etevaldo ficou em segundo plano. Ignorado. Elisiane chegava do trabalho, tomava banho e jantava. Depois deixava o prato de Etevaldo pronto para ele colocar no microondas. Em seguida, se trancava no quarto do computador. Ficava horas no MSN. Saia do quarto com o dia clareando.

Foi assim que tomou coragem para pedir a separação. Não tinha mais medo de ficar só.
Foi direta com o marido. Elisiane aproveitou para falar com Etevaldo no sábado. Ele chegou em casa embriagado. Havia bebido com os amigos. Sem meias palavras, Elisiane comunicou:
- Etevaldo, quero a separação! Apaixonei-me por outro homem.

Etevaldo não conteve a indignação:
- Apaixonada?! Impossível! Você passa os finais de semana no computador. Quando está em casa durante a semana faz a mesma coisa.
- Ele é do computador.
- Como é que é?! - gritou.

Elisiane respondeu como se fosse a coisa mais natural do mundo:
- Um amante virtual. Já ouviu falar? Tá na moda. Não conheço pessoalmente, só trocamos e-mails e conversamos pelo MSN.
- Mas como você se apaixonou por alguém que não conhece?! Tá doida?! MSN?! O que é isso?! Morde?

Etevaldo beliscava o corpo e desnorteado falava, tropeçando nas palavras:
- Acho que bebi demais. Deixa eu me beliscar. Deve ser um pesadelo!
- Não estou doida e nem é pesadelo! Doida é continuar casada com você. Pinguço! Estou mais lúcida do que nunca e quero a separação - respondeu Elisiane, com a voz firme e sem paciência com Etevaldo.

Etevelado mostrava-se surpreso:
- Você quer acabar com 12 anos de casamento e o motivo é um homem que você nunca viu?!
- E nem quero ver.
- Você está me dizendo que eu fui traído pelo computador?!
- Não, você foi traído pelo seu descaso e desatenção comigo! Agora é tarde! Não troco meu amante virtual por você.
- Mas quando você conhecer esse amante? Se não gostar dele?
- Conhecer? Não quero conhecer. Tá bom assim.
- Você vai namorar um computador pelo resto da vida?! Enlouqueceu mesmo! Vou chamar o hospício. Vou ligar para a sua mãe.

Etevaldo colocou a cara na janela e gritou:
- Dona Clarimunda, sua filha pirou!! Me corneou com um computador!! E agora quer a separação!

Elisiane não se intimidou com o deboche:
- E quer coisa melhor? Meu amante virtual não peida na minha frente, não enche a cara e nem sou obrigada a aturar o bafo de bebida dele. Não reclama que a comida está fria. Nem sei se ronca. É o homem perfeito.

Etevaldo se aproximou da mulher. Com ar sedutor, tentou virar o jogo:
- Vem cá, vem. Esse amante não faz amor gostoso, como eu faço. Você está com falta. É isso.

Elisiane empurrou Etevaldo com força:
- Sai daqui, bêbado!!

Etevaldo caiu no chão. Elisiane falava e humilhava o marido cada vez mais:
- Sexo?! Há quanto tempo que eu não sei o que é isso com você. Pelo menos meu amante virtual me ensina o caminho do prazer. E quer saber??? - gritou - NUNCA GOZEI COM VOCÊ! NUNCA!

Etevaldo se levantou, sacudiu a roupa e ficou pensativo, olhar perdido. Elisiane falava sem parar. Fazia discurso. Parecia político em época de eleição. Etevaldo não entendia essas coisas de paixão virtual. "Tinha sido trocado por uma máquina. Corneado por um computador. Essa era inédita" - pensou. Enquanto isso, Elisiane despejava toda a frustração guardada ao longo do casamento sem amor. Ela falava sobre sexo e masturbação com desenvoltura. Elogiava o amante virtual. Dizia que era bom fazer sexo com ele, mesmo na imaginação.

Etevaldo já não prestava mais atenção. Se fosse homem de má índole, talvez agredisse Elisiane. Ao invés disso, deixou a mulher falando sozinha. Bateu a porta com força e voltou para o botequim. Encontrou dois amigos bebendo. Pediu mais uma cerveja:
- Essa é por minha conta. Vamos brindar a loira gelada. Essa loira é real e desce geladinha.

Os amigos concordaram. Etevaldo pediu mais uma rodada. Antes, porém, foi até o banheiro do botequim. Abriu a torneira da pia enferrujada, enfiou a cabeça e molhou os cabelos. Precisava refrescar as idéias. O dia estava muito esquisito.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Atualmente, é Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou, recentemente, Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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