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Contos
01/10/2007 - 16h00
Moça de família
Celamar Maione
 

Quando a filha de Sales abriu a porta, Moraes encantou-se com a beleza da jovem morena de 18 anos. Verificou com os próprios olhos que ela era tudo o que o amigo falara no escritório e mais alguma coisa. Um verdadeiro pedaço de mau caminho, capaz de desvirtuar um homem de bem como ele. Cintura roliça, pernas esculpidas em academia, olhos grandes da cor da jaboticaba e seios rijos que mais pareciam duas pêras. O micro-short deixou Moraes em transe. Porém, logo se recompôs, pigarreou e, ainda embevecido, falou:
- Como vai? Boa tarde! Você é a Elisinha? Sou o Moraes, amigo do seu pai, do escritório. Ele me convidou para almoçar.

Elisinha sorriu, deixando os dentes branquíssimos à mostra, e convidou-o a entrar. Quando passou por ela, entorpeceu-se, ao sentir o perfume delicado de rosas:
- O senhor pode sentar, por favor, papai já vem. Ele tá na cozinha com mamãe.

Dois minutos depois, Sales aparece, sorridente, com uma garrafa de cerveja na mão e a esposa do lado:
- Me dá um abraço, vamos comemorar sua visita. Até que enfim saiu de casa!
- Só você mesmo, amigo, para me tirar de casa.
- Essa é Divina, minha esposa. Esse é o Moraes, meu companheiro de escritório, que perdeu a esposa há dois meses.

Depois das apresentações, conversavam, animadamente, quando Divina foi até a cozinha para olhar o assado. Sales, então, cheio de orgulho, comentou:
- Minha filha não é uma verdadeira princesinha?
- É, e como! Uma moça muito linda.
- Elisinha é minha jóia. Uma preciosidade. Sabe como é, única filha mulher, a caçulinha.

Durante o almoço, sem que ninguém percebesse, Moraes lançava olhares maliciosos para Elisinha. Impressionara-se com a beleza da morena e sentia raiva pelos 53 anos, que o impediam de paquerá-la ousadamente. O dia passou rápido. Durante a noite, teve insônia. O jeito meigo de Elisinha não lhe saía da cabeça. Achou que a empolgação adolescente eram os primeiros sinais de senilidade. Sales jamais poderia adivinhar-lhe os pensamentos. Seria uma carnificina.

Quase quinze dias depois da visita à casa do amigo, aborrecido com o calor no apartamento, resolveu caminhar no calçadão da Avenida Atlântica. Quando já andara dois quarteirões, avistou uma jovem com um micro-vestido que lhe chamou a atenção: "Acho que conheço aquela moça. Sim, é ela, a filha do Sales. E está... não acredito! Pegando homem no calçadão de Copacabana!!!!!"

Aproximou-se. Ficou desconcertado ao ver que a linda filha do amigo levava vida dupla. Pega em flagrante, Elisinha falava baixo, olhando para o chão:
- Pelo amor de Deus, seu Moraes, não conte ao meu pai o que viu. Será um segredo entre nós dois. Promete?
- Mas seu pai precisa saber. Isso é uma vergonha!

Como não conseguia convencer Moraes, protagonizou uma cena deprimente. Ajoelhou-se no calçadão, implorando, com lágrimas nos olhos:
- Se papai souber que mato aula na faculdade para me prostituir é capaz de morrer do coração. O que preciso fazer para o senhor não contar a ele?

Moraes lutou para tirar a idéia que lhe passara pela cabeça. Venceu a tentação. O instinto. Com cuidado, pegou Elisinha pelo braço e cochichou-lhe aos ouvidos. Ela topou, com um sorriso malicioso nos lábios:
- Está bom no sábado? Quatro da tarde?

Moraes sacudiu a cabeça concordando e, com os olhos brilhando, saiu, com o coração aos pulos, pelas ruas de Copacabana. Tinha certeza que perdera o juízo, porém, uma maluquice de vez em quando - pensou - até caía bem para colorir a vida entediante.

No sábado, Elisinha foi pontual. Quatro da tarde tocou a campainha do apartamento de Moraes. Passaram a se encontrar toda semana. Remoçou. Ironicamente, foi Sales quem notou a mudança:
- O que aconteceu com você? Parece que rejuvenesceu uns 20 anos. Até fica cantarolando sozinho. Está apaixonado e não me conta nada?

Moraes disfarçava, com um sorriso de canto de boca:
- Impressão sua. É o calor que me deixa mais corado.

Foi num sábado à tarde que tudo aconteceu. Elisinha e o amante estavam abraçados na cama, quando ela desabafou:
- Meu pai anda estranho pelos cantos. Não fala direito comigo. Será que desconfia de alguma coisa?
- Como? Impossível!!? Nem na sua casa vou para não ser traído pelo olhar.
- Vai ver é coisa da minha cabeça.
- Esquece, meu pêssego. Fica na cama que vou jogar uma ducha no corpo e já volto.

A campainha tocou. Moraes gritou do banheiro:
- Abre a porta, minha frutinha, deve ser a encomenda da padaria.

Elisinha enrolou uma toalha no corpo e abriu. Ficou frente a frente com o pai. Sales empurrou a filha com o coração aos pulos. Tremia dos pés à cabeça. Entrou no apartamento, gritando, em total estado de alucinação:
- Cadê aquele filho da puta tarado? Cadê aquele filho da puta que desvirginou minha princesinha?!
- Papai, não é o que o senhor está pensando. Calma! O senhor vai ter um troço!

Moraes chega na sala e tenta se explicar. É pior. Sales fica vermelho e dá um uivo ensurdecedor. Em seguida, coloca a mão no peito e cai no chão. O enfarto é fulminante. Elisinha joga-se junto ao corpo do pai e, transtornada, agride Moraes com palavras:
- A culpa é sua! Tarado! Indecente! Imoral! Não quero nunca mais ver essa sua cara de rinoceronte!

Nunca mais se viram. Moraes nem no enterro apareceu. Elisinha, para redimir-se, tornou-se beata. Ajuda na missa das seis, passando a sacolinha. Em casa, antes de dormir, ora, devotadamente, para resistir a tentação que lhe corrói a alma. Os olhos azuis de padre Francisco despertam-lhe pensamentos libidinosos e sonhos eróticos.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi e trabalhou na Nova Brasil FM. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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