Rosemary ajeitou as meias finas, puxou o vestido e desceu do táxi. O céu estava escuro. A chuva fina prometia aumentar. Conferiu o número mais uma vez, entrou no prédio, pegou o elevador e saiu no quarto andar: - 402. É aqui. Tocou a campainha. Foi recebida pela recepcionista: - Boa noite. A senhora é Rosemary Marques? Primeira consulta? - Sim. Acho que me adiantei. É a ansiedade. A recepcionista foi simpática, deixando-a menos tensa: - Sente-se, por favor. O doutor Adriano vai chegar daqui a pouco. Sentou-se num sofá vermelho, em frente a um homem de terno cinza, que folheava uma revista. Enquanto esperava, observava-o: traços finos, mãos esculpidas. "Simpático", pensou. De repente, ele olha para ela e pergunta: - Primeira vez? Rosemary assustou-se. Estava distraída e não podia imaginar que o homem já a observava desde que ela entrara no consultório. - Sim. - Desculpe a curiosidade, é que nunca a vi por aqui. - O senhor vem sempre? - Tire o senhor, por favor. Faço terapia há um ano com o doutor Adriano. - E ele é bom? - Pra ser sincero, não sei, nunca fui a outro. - Mas o senhor... desculpe, VOCÊ não sentiu melhora no tratamento? - Seu nome é Rosemary? - Sim e o seu? - Meu nome é Ronaldo. Na verdade, faço terapia porque meu chefe me intimou. - Como assim? - Ele notou meu estresse depois da separação. Perdia a paciência facilmente com os clientes e gritava com eles no telefone. Fui intimado a procurar tratamento. - O terapeuta foi recomendado pelo seu chefe? - Não. Vi o anúncio num folheto. - Engraçado, eu também. - Desculpe a indiscrição, mas por que procurou um terapeuta? - Sofro de insônia e minha irmã disse que sou muito desconfiada. Devo ser paranóica, sei lá! - Todo mundo é um pouco. Eu descobri um monte de paranóias que não sabia que tinha. - Então, ao invés de se livrar das antigas, descobriu outras? Pelo menos não perde mais a paciência com os clientes, acertei? - É... agora, quando tenho vontade de esmurrá-los, corro para o banheiro. Aprendi a controlar meu instinto animal. - Hummmm... e qual é a linha de tratamento do doutor Adriano? - Linha? - Sim, a linha: lacaniana, freudiana, junguiana, reichiana. - Não faço a menor idéia. Não entendo desse assunto. Eu pago e ele me escuta. - Nunca quis se aprofundar? - Na verdade, já disse, faço por causa do meu chefe. Tenho um amigo que entende bem desse assunto, faz terapia há uns 20 anos. - Vinte?!!! Viciado, hein! - O terapeuta dele é bom. Está no quinto casamento, mas o terapeuta é o mesmo. - Quinto? Então seu amigo é um casamenteiro compulsivo? - Descobriu na terapia que procura a mãe nas mulheres. - Encontrou? - Pelo visto, AINDA não. Rosemary olhou para o relógio impaciente: - O papo está bom, mas cadê o doutor Adriano? - Ele não costuma se atrasar. Aconteceu alguma coisa. Deve ser a chuva. - É, aumentou. Mas você falava do seu amigo quando interrompi, desculpe. - Então, como eu ia dizendo, fazendo terapia ele descobriu que procura a mãe nas mulheres. Mas agora quer descobrir outras coisas. Adquiriu novas neuras. Sabe como é, a piora da melhora. - Não entendi! Piora? Melhora? Que outras neuras? - Você não paga para se descobrir? Vai jogar dinheiro fora falando bobagem? Tem que colocar pra fora, soltar as neuras! - Será que não vou conseguir me livrar da insônia? - Você quer fazer terapia só por causa da insônia? - Também por isso. Uma sessão de relaxamento seria interessante pra mim. - O problema, Rosemary, é que descobrimos tantas outras neuras que dá até pra pirar. Ao invés de relaxar, você pode pirar. - Você está me deixando com medo. - Estou falando alguma mentira? Somos todos neuróticos. Uns mais, outros menos. - É verdade. Hoje em dia, todo mundo é meio cheio de neuras. - Já diz a letra da música do Caetano que, de perto, ninguém é normal. Foram interrompidos pela recepcionista, que se aproximou e avisou que o doutor Adriano ficou preso no trânsito por causa da chuva. Remarcaram para a próxima semana. Ainda chovia muito quando chegaram na portaria. Ronaldo convidou Rosemary para um café. Conversaram por mais de uma hora sobre os benefícios da terapia. Descobrira que são geminianos, estudaram no mesmo colégio e adoram banana. Na despedida, trocaram telefone e e-mail. Na semana seguinte, no horário do terapeuta, se encontraram na portaria e foram para um motel. Ronaldo passa a tratar os clientes pacientemente e Rosemary não tem mais insônia. Descobriram que, no caso deles, sexo é a melhor terapia. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi e trabalhou na Nova Brasil FM. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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