Quando Magali chegou do trabalho, a empregada esperava por ela na porta da Vila: - Aconteceu alguma coisa com o Flávio Augusto, Jandira? - Não senhora. Quero lhe mostrar uma coisa. Sem querer fazer fofoca, vem cá, por favor. Curiosa e ao mesmo tempo apreensiva, acompanhou Jandira até o terraço: - Fala logo, pelo amor de Deus, o que houve? - Olha no terraço da dona Matilde. Vê se a senhora reconhece alguma coisa pendurada no varal. Magali colocou a mão na boca e gritou: - Aquela cueca do homem aranha é do Flávio Augusto! - Reconheci logo. Sabia! Eu que lavo as cuecas do patrão. - O que a cueca do Flávio Augusto faz no varal dessa perua? Antes da acusação sem provas, reviraram a casa procurando pela cueca. Podiam estar enganadas. Mexeram nos armários do quarto, no cesto da roupa suja, e até nos armários da cozinha. Nada. - Será que foi trabalhar com ela? Vou ligar para ele agora. Flávio Augusto acabara de sair de uma reunião quando o celular tocou. Atendeu, aflito. Muito ciumenta, a esposa o controlava vinte e quatro horas. Assim que ele disse alô, Magali logo perguntou, com voz desconfiada: - Flávio Augusto, com que cueca você foi trabalhar hoje? Ele deu um sorriso amarelo. Coçou a cabeça. Disfarçou. O chefe o esperava ansioso. - Responde, anda! Tá pensando? Não me faça de trouxa! O chefe olhava fixo. Sem graça, Flávio Augusto falou, em tom formal: - A reunião acabou agora. Estou com o doutor Jairo aqui na minha frente, vou até a sala dele e daqui a pouco vou pra casa. Até logo mais. E desligou. Ficou furiosa com o descaso do marido. Andava de um lado para o outro a procura de uma idéia: - Já sei, vou na casa dessa baranguete! É a cueca do Flávio Augusto, só pode! - A senhora não vai fazer isso. E se não for? Imagina o vexame! - Jandira, raciocina: quem mais tem cueca de homem aranha na Vila? A dona Otília tem 80 anos, o marido, quase noventa. Na casa oito, moram duas mulheres. A Matilde é solteira. Essa cueca é do Flávio Augusto! Vou lá e é agora. Quando a campainha tocou, Matilde jantava. Abriu a porta de cara feia. As duas tinham muitas desavenças: - O que você quer comigo? - Vim pegar a cueca do meu marido! - Cueca do seu marido?! Qual é, sua doida, tá delirando?! - Aquela cueca pendurada no seu varal é do meu marido. - Como é que você sabe? Por acaso só o seu marido usa cueca no mundo? - Aqui na Vila só ele usa cueca do homem aranha. Caiu no seu terraço e você pegou para me provocar, mal-amada. - Mal amada é você, sua chifruda. Se agrediram com puxões de cabelo. A confusão só parou quando Jandira carregou a patroa pelo braço: - Dona Magali, que vexame! Seu Flávio vai ficar aborrecido quando souber. Flávio Augusto chegou do trabalho indignado: - Que história é essa de arrumar briga na vizinhança?! - As fofoqueiras já foram buzinar no seu ouvido?! Não vem com essa arrogância pra cima de mim, não! Quero saber o que a sua cueca do homem aranha faz no varal daquela perua! Flávio Augusto abaixou as calças: - Olha aqui onde ela está, encrenqueira! E agora? O que os vizinhos vão dizer? Todo mundo na Vila vai saber que uso cueca do homem aranha... A esposa não se convenceu: - E por que você foi trabalhar com essa cueca? - Acordei com muito sono. Peguei a primeira que vi pela frente. Envergonhou-se pelas desconfianças sem fundamento. No dia seguinte, na hora do almoço, Magali resolveu fazer uma surpresa para o marido. Foi convidá-lo para almoçar. Flávio Augusto saía dirigindo o carro, quando ela chegou num táxi. Alertada pelo sexto sentido, mudou de planos: - Moço, segue aquele carro branco, por favor. Com cuidado! Viu o marido pegar Matilde no trabalho. Teve vontade de sair do táxi e esmurrar os dois. Engoliu a raiva e controlou-se: - Continua seguindo, por favor. - A corrida vai sair puxada. - Vou pagar. Faz o que eu mando. Flávio Augusto entrou num motel que oferecia almoço executivo grátis. Humilhada e revoltada, ainda pensou: "Até com a amante esse miserável é sovina". Pagou o táxi e andou sem rumo pela cidade. Não voltou para trabalhar. Fez compras e foi direto para casa. Quando o marido chegou, Magali o esperava vestida numa camisola vermelha sensual. Flávio Augusto estranhou a receptividade, o jantar a luz de velas e a comida preferida. Estava cansado mas acreditava que o sacrifício valeria a pena. Jantaram num clima romântico e foram para o quarto abraçados. O jantar e o vinho o excitaram. A esposa estava carinhosíssima: - Flavinho, minha vida, vai até o banheiro pegar meu óleo de banho. - O que você pretende fazer, hein? - sorriu empolgado. Fez biquinho e melou a voz: - Quero massagear seu corpo gostoso. Quando ficou sozinha, levantou o travesseiro e lá estava a navalha: desafiadora, com a lâmina brilhante e afiada. Deu um sorriso vingativo, respirou fundo e suspendeu as sobrancelhas. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi e trabalhou na Nova Brasil FM. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
|