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30/08/2007 - 16h01
Calcinha no banheiro
Celamar Maione
 

Passava da meia-noite quando Sérgio Otávio foi levar Fernandinho e Lucinéia até a portaria do prédio. Despediram-se com entusiasmo:

- Foi um prazer ter vocês jantando na minha casa.

- O prazer foi nosso. A Lúcia Helena é muito simpática. A próxima vai ser lá em casa. Até segunda, Serjão!

- Até segunda. Vão com cuidado.

Quando entrou no apartamento de sala e quarto, Lúcia Helena lavava a louça do jantar. Sorridente, Sérgio Otávio abraçou a esposa pela cintura e comentou:

- O que você achou do Fernandinho e da mulher dele? São simpáticos, né?

- Muito. Vocês trabalham juntos há quanto tempo mesmo?

- Uns dois anos, mas agora que a amizade estreitou. Bom colega de trabalho. Tava devendo um jantar a ele.

- Da próxima vez, antes de oferecer um jantar para seus amiguinhos de trabalho, me avisa, tá?

- Lá vem você com reclamação. Depois a gente conversa. To apertado!

Saiu correndo. Assim que entrou no banheiro, Lúcia Helena ouviu o marido gritar:

- Ah não! Não acredito nisso!

- O que foi Sérgio Otávio? Fala baixo, vai acordar os vizinhos! O que aconteceu?

Sérgio Otávio saiu do banheiro com uma calcinha preta na mão:

- O que significa isso?

- Ué... não reconhece? Minha calcinha.

- Eu sei que é sua calcinha. Mas estava pendurada no box do lado de fora.

- E daí?

- E daí que o Fernandinho foi ao banheiro e viu sua calcinha à mostra. Escancarada.

- Qual o problema? É só um pedaço de pano. A mulher dele também usa calcinha.

- Mas essa calcinha não é da mulher dele. É sua!

Com ar debochado, Lúcia Helena ironizou a preocupação do marido:

- Tá limpinha. Lavadinha.

- E se ele pegou sua calcinha e esfregou no corpo enquanto fazia xixi?

- Você faria isso com a calcinha da mulher dele?

- Claro que não! E não muda de assunto. A melhor defesa é o ataque. Você já imaginou se ele esfregou essa calcinha preta e ainda por cima cavada no...?

Lúcia Helena interrompeu as divagações do marido. Jamais imaginaria crises de ciúme por causa de uma calcinha:

- Vai dormir! Você bebeu demais!

Com raiva da discussão sem sentido, arrancou a calcinha da mão do marido:

- Me dá isso aqui! Deixa eu colocar no enxugador. Chega, acabou a discussão! Esse bate-boca não tem sentido. Coisa de bêbado.

- Não estou bêbado! - E continuou: - Você já imaginou o Fernandinho passando a SUA CALCINHA no ...????

Lúcia Helena tapou os ouvidos e foi em direção ao quarto gritando:

- De novo? Chega Sérgio Otávio! Não quero mais ouvir seus delírios.

Ele foi atrás:

- Como fica minha cara no trabalho segunda-feira?!

- O que é que tem a sua cara?

- O Fernandinho trabalha na mesa em frente.

- E eu com isso!

- Imagina ele olhando pra mim e pensando "já esfreguei a calcinha da mulher desse otário no meu corpo".

- Antes esfregar a calcinha do que outra coisa.

- Todo homem é tarado. Você sabe.

- Eu sei? Então quando você vai dormir não leva a sua tara pra cama.

- Não me venha com ironia. Você deixou a calcinha no banheiro só para me irritar, porque foi para a cozinha sábado à noite.

- Paranóia sua. Esquecer calcinha no banheiro não é crime.

- Mas logo no dia que uma visita do trabalho vem pela primeira vez na nossa casa?

- Poupe meus neurônios! Não falo nada quando você esquece de levantar a tampa do vaso e mija a tábua toda.

- Não me venha com acusações. Estamos conversando sobre a sua calcinha.

- Você precisa procurar um psiquiatra urgente e um que entenda de calcinha!

- Vai me dizer que estou errado? Existe coisa mais suburbana do que calcinha jogada no banheiro? Hein, me diga!

- Eu reclamo da sua sujeira quando você janta e não lava o prato? Reclamo?

- Nada é pior do que calcinha pendurada no banheiro!

- Ah não???? E as suas cuecas velhas que sou obrigada a pendurar no enxugador? E quando você coçou o saco na frente de todo mundo no churrasco da minha irmã?

- Não muda de assunto. O que você fez comigo foi sacanagem. Todo mundo no meu trabalho vai saber que você usa calcinhas cavadas.

- Pede demissão e procura um emprego onde ninguém tenha visto minha calcinha. Aliás, melhor cavadas do que ciroulão. Seria pior se tivesse furada!

- Não quero a calcinha da minha mulher na boca dos meus colegas de trabalho.

- Sabe do que mais, Sérgio Otávio?

- O quê?

- Esse assunto esgotou! São quase duas da madrugada. Tratado filosófico sobre calcinha, a essa hora, não! Chega!

Lúcia Helena foi até o enxugador e pegou a calcinha. Antes de entrar no quarto colocou a calcinha na mão do marido:

- Sabe do que mais? Você vai dormir no sofá e com essa calcinha na mão. Boa noite, Sérgio Otávio!

Bateu a porta do quarto e trancou a chave.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi e atualmente trabalha na Nova Brasil FM. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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