Passava da meia-noite quando Sérgio Otávio foi levar Fernandinho e Lucinéia até a portaria do prédio. Despediram-se com entusiasmo: - Foi um prazer ter vocês jantando na minha casa. - O prazer foi nosso. A Lúcia Helena é muito simpática. A próxima vai ser lá em casa. Até segunda, Serjão! - Até segunda. Vão com cuidado. Quando entrou no apartamento de sala e quarto, Lúcia Helena lavava a louça do jantar. Sorridente, Sérgio Otávio abraçou a esposa pela cintura e comentou: - O que você achou do Fernandinho e da mulher dele? São simpáticos, né? - Muito. Vocês trabalham juntos há quanto tempo mesmo? - Uns dois anos, mas agora que a amizade estreitou. Bom colega de trabalho. Tava devendo um jantar a ele. - Da próxima vez, antes de oferecer um jantar para seus amiguinhos de trabalho, me avisa, tá? - Lá vem você com reclamação. Depois a gente conversa. To apertado! Saiu correndo. Assim que entrou no banheiro, Lúcia Helena ouviu o marido gritar: - Ah não! Não acredito nisso! - O que foi Sérgio Otávio? Fala baixo, vai acordar os vizinhos! O que aconteceu? Sérgio Otávio saiu do banheiro com uma calcinha preta na mão: - O que significa isso? - Ué... não reconhece? Minha calcinha. - Eu sei que é sua calcinha. Mas estava pendurada no box do lado de fora. - E daí? - E daí que o Fernandinho foi ao banheiro e viu sua calcinha à mostra. Escancarada. - Qual o problema? É só um pedaço de pano. A mulher dele também usa calcinha. - Mas essa calcinha não é da mulher dele. É sua! Com ar debochado, Lúcia Helena ironizou a preocupação do marido: - Tá limpinha. Lavadinha. - E se ele pegou sua calcinha e esfregou no corpo enquanto fazia xixi? - Você faria isso com a calcinha da mulher dele? - Claro que não! E não muda de assunto. A melhor defesa é o ataque. Você já imaginou se ele esfregou essa calcinha preta e ainda por cima cavada no...? Lúcia Helena interrompeu as divagações do marido. Jamais imaginaria crises de ciúme por causa de uma calcinha: - Vai dormir! Você bebeu demais! Com raiva da discussão sem sentido, arrancou a calcinha da mão do marido: - Me dá isso aqui! Deixa eu colocar no enxugador. Chega, acabou a discussão! Esse bate-boca não tem sentido. Coisa de bêbado. - Não estou bêbado! - E continuou: - Você já imaginou o Fernandinho passando a SUA CALCINHA no ...???? Lúcia Helena tapou os ouvidos e foi em direção ao quarto gritando: - De novo? Chega Sérgio Otávio! Não quero mais ouvir seus delírios. Ele foi atrás: - Como fica minha cara no trabalho segunda-feira?! - O que é que tem a sua cara? - O Fernandinho trabalha na mesa em frente. - E eu com isso! - Imagina ele olhando pra mim e pensando "já esfreguei a calcinha da mulher desse otário no meu corpo". - Antes esfregar a calcinha do que outra coisa. - Todo homem é tarado. Você sabe. - Eu sei? Então quando você vai dormir não leva a sua tara pra cama. - Não me venha com ironia. Você deixou a calcinha no banheiro só para me irritar, porque foi para a cozinha sábado à noite. - Paranóia sua. Esquecer calcinha no banheiro não é crime. - Mas logo no dia que uma visita do trabalho vem pela primeira vez na nossa casa? - Poupe meus neurônios! Não falo nada quando você esquece de levantar a tampa do vaso e mija a tábua toda. - Não me venha com acusações. Estamos conversando sobre a sua calcinha. - Você precisa procurar um psiquiatra urgente e um que entenda de calcinha! - Vai me dizer que estou errado? Existe coisa mais suburbana do que calcinha jogada no banheiro? Hein, me diga! - Eu reclamo da sua sujeira quando você janta e não lava o prato? Reclamo? - Nada é pior do que calcinha pendurada no banheiro! - Ah não???? E as suas cuecas velhas que sou obrigada a pendurar no enxugador? E quando você coçou o saco na frente de todo mundo no churrasco da minha irmã? - Não muda de assunto. O que você fez comigo foi sacanagem. Todo mundo no meu trabalho vai saber que você usa calcinhas cavadas. - Pede demissão e procura um emprego onde ninguém tenha visto minha calcinha. Aliás, melhor cavadas do que ciroulão. Seria pior se tivesse furada! - Não quero a calcinha da minha mulher na boca dos meus colegas de trabalho. - Sabe do que mais, Sérgio Otávio? - O quê? - Esse assunto esgotou! São quase duas da madrugada. Tratado filosófico sobre calcinha, a essa hora, não! Chega! Lúcia Helena foi até o enxugador e pegou a calcinha. Antes de entrar no quarto colocou a calcinha na mão do marido: - Sabe do que mais? Você vai dormir no sofá e com essa calcinha na mão. Boa noite, Sérgio Otávio! Bateu a porta do quarto e trancou a chave. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi e atualmente trabalha na Nova Brasil FM. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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