Nove da noite. Assim que o telefone toca, Eduarda voa em cima do aparelho: - Pode deixar que eu atendo! É o Gilberto, mãe. Vou falar no quarto. Não deixa ninguém me incomodar. O romance começou com uma amizade. Ia completar um mês de namoro. A voz de Eduarda se torna doce: - Oi, amor. Tudo bem? - Mais ou menos. - O que aconteceu? - Problema de família. O programa de final de semana já era. Sabe como é. - Não vamos sair amanhã?! Poxa, Gilberto, um mês de namoro! - Era sobre isso que eu queria falar. Não vai dar. - Mas logo amanhã?! Por quê? - Combinei de ir para a casa do meu pai. A gente não se vê há dois meses. O velho ligou cobrando, todo magoado. - Sei. - Maior vacilo se eu não passar o final de semana com ele. Sem problema? Desanimada com a notícia, Eduarda tentou disfarçar a decepção com uma certa ironia na voz: - Se é por uma boa causa... - Sabia que você ia entender. Você é DEZ! - Sou o quê? - Dez. - Dez?!? Dez o quê? - Tá surda? VOCÊ É DEZ! - O que é uma pessoa dez pra você? - Sei lá. Uma pessoa dez é uma pessoa dez. - Dez o quê? - Vai Eduarda, não força. Você é dez! - Sou um número para você? Me avalia? Dá nota? - Só porque eu disse que você era dez tá cheia de questionamentozinho pra cima de mim? Ficou puta porque a gente não vai sair amanhã. Não faz drama, Eduarda. - Não é drama. Pensei que me avaliasse como mulher. Não sou uma nota, uma prova. Aliás, não estou participando de nenhuma avaliação. - Sei que você é exagerada, mas assim tá indo longe demais. Fiz um elogio e você entendeu mal. - Se você tivesse me chamado de tesão, gostosa, especial, sei lá, até mesmo de chata, juro, ia ficar mais satisfeita. Mas dez?! - Tá. Tira o dez. Esquece. Você é gostosa. Pronto. Encerra o drama! - Agora não dá mais para tirar, já falou. Eduarda estava disposta a continuar batendo no mesmo assunto: - Você sabe o que é uma pessoa dez? - Sei. - Não sabe, não soube me responder. - Tá, então explica. - Dez é uma pessoa legal. O porteiro aqui do prédio é dez, atende todo mundo com um sorriso no rosto. O pipoqueiro da esquina é dez, deixa a gente comprar fiado. A minha colega de faculdade é dez, dez é pouco. É nada. Quando você não tem o que dizer de alguém diz que a pessoa é dez. - Mas você não é pipoqueiro, não é porteiro, não é coleguinha. E não falei por mal. Entendeu? Esquece. Passa uma borracha. Você é minha namorada. - Era. - O quê? - Era. Acabou. - Tá de sacanagem? - Não. Acabou. Dez é ridículo. Poderia ser chamada de dez pela minha prima, pelo colega bobão, mas pelo namorado?! - Você está querendo arranjar uma briga. Não tem sentido. - É assim que começa, Gilberto. Primeiro me acha dez, depois diz que tem admiração, me acha legal e aí vem com aquele papinho de todo homem. - Que papinho, Eduarda? Ironicamente Eduarda tenta imitar a voz de Gilberto: - Você é dez. Admiro muito você. Você é legal, mas tão legal que é melhor sermos amigos. Não a quero magoar. Você merece coisa melhor. - Você está colocando palavras na minha boca. Por que acha que vou dizer isso? Está dentro de mim? - Aconteceu exatamente assim com uma amiga. E como os homens são todos iguais, estudam no mesmo curso, sou a próxima. Gilberto ficou sem ação com os questionamentos de Eduarda. Sabia que ela era teimosa, mas não imaginou que um simples dez causaria tanta confusão. Ficou perdido. Sem muita convicção, tentou contornar mais uma vez: - Já disse para esquecer, passar uma borracha. - Não dá para voltar atrás. Já falou. Acabou. Sou dez para você. Quem você acha que vai seduzir com esses elogios prontos? Com essas frases feitas? Gilberto tentou brincar: - Você está de TPM? Brigou com a sua mãe? Foi demitida? - Não. Sou dez. Vou até fazer um comercial. Aparecer na tv com cara de boba com aquele imenso sorrisão e o locutor vai anunciar: senhoras e senhores, a garota dez! Gilberto não tinha mais paciência para argumentar. Percebeu que nada do que dissesse faria diferença. Eduarda continuava ressentida: - Tenho certeza que pensa que sou doida. - Sabe do que mais? Adivinhou meu pensamento. Você é louca paranóica! - Há uns dois minutos atrás eu era dez, agora sou louca? Muda rápido de opinião, hein? - Quem vai ficar maluco com esse papo sou eu. - Se ficar maluco não vai fazer diferença. Depois de dizer que sou dez, estou pouco ligando para você. Sedutor barato! - Eduarda, ninguém vai acreditar! Só porque eu disse que você era dez!? - E ainda acha que não é nada demais? Não repete. Me deixa com raiva. Dez! Dez! Acho melhor você renovar seu estoque de elogio porque esse é muito pobre. Gosto de homens mais criativos. - Sabe do quê mais, Eduarda? Você é uma neurótica! Vai se ... Não completou a frase. Eduarda foi mais rápida. Desligou o telefone, sacudiu os ombros, deitou-se na cama, olhou para o teto e pensou, com a maior naturalidade: “os homens são entediantes. Dez! Vê se pode!?” Virou para o lado. Cinco minutos depois, dormiu. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi e atualmente trabalha na Nova Brasil FM. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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