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Contos
09/07/2007 - 15h08
Mulher sozinha na noite
Celamar Maione
 

Abri a janela do quarto. O sol entrou luminoso e bateu na minha cama. Olhei mais uma vez o relógio: 9 da manhã. Sábado. Um dia de folga. Até que enfim! A semana passou lenta demais. O céu azul era um convite para um banho de mar. Não seria má idéia. Tinha tanta coisa para fazer. Aproveitaria o sábado para colocar as roupas em ordem. Fazer compras. Não daria para ir à praia. Pena. Quem sabe amanhã, domingo? Ouço o miado rouco de Mimi vindo da sala. É minha gata vira- lata, amarela e branca. Devia estar com fome.

Fui até o banheiro. Escovei os dentes. Olhei meu rosto. Uma espinha nascendo no queixo. É a TPM. Parece coisa de adolescente. Saí do banheiro com Mimi embolada nas minhas pernas. Na cozinha, coloquei um pouco de ração na tigela da bichana. Tomei meu café e fui agilizar meu sábado. Compras. Resolvi tudo na rua e voltei para meu apartamento no final da tarde.

Arrumei os armários e fiz uma faxina rápida. Lá se foi o sábado. Olhei o relógio: 8 e 40. Horário de verão. Me deu vontade de comer uma pizza. Pedir em casa? Não. Vou a um restaurante. Beber um chope. Ver gente. Pensei: "Sozinha? Sábado à noite e sozinha na rua? Nem pensar! O que os outros vão dizer?"

O telefone tocou me tirando das minhas digressões. Era Carla.
- Qual a boa de hoje?
- Estou com vontade de comer uma pizza.
- Pizza?
- Sim. Tem coisa melhor?
- Vamos para a balada. Beijar na boca. Dançar. Pizza engorda.
- Não, isso não. Coisa chata. Acho que vou comer uma pizza.
- Com quem?
- Sozinha.
- Sozinha? Vão pensar que você é uma puta da noite pegando homem.
- Não seria má idéia.
- Ser uma puta?
- Não. Pegar um homem.
- Então mais fácil na balada.
- Não estou com vontade de dançar. Bom proveito.

Despedi-me de Carla. Sei que Carla é deslumbrada, adora uma festa, ensaio de escola de samba, baladas. Não relaxa. Chega procurando homem. Não desiste enquanto não consegue um. Nem que seja para uma noite. Não é o que quero. Divergência de opinião. Nossa amizade é assim: cada uma na sua.

Eu procuro paz e sossego. Poderia ficar em casa lendo um livro. Mas a noite estava tão bonita. Merecia uma pizza com um chope. Mas chamar quem para me acompanhar? Na verdade, queria ir sozinha. Desejava ficar a sós com meus pensamentos. Porém, tinha medo que pensassem que era uma jogada fora. Sempre assim. Medo do que os outros vão pensar.

Dei uma olhada na agenda telefônica. Pensei em Rose. Ela não. Começaria a falar dos problemas no trabalho. Tadeu. Muito chato. Ia fazer discurso. Injustiça social e divisão de bens eram seus assuntos preferidos. Papo-cabeça, tremendo sábado de verão? Calor? Desisti. Seria demais para meu coração.

Jorge. Adorava conversar com o Jorge. Tinha senso de humor. Não o via há algum tempo. Mas logo, ele começaria com o papo de sempre. Se sentia discriminado. Costumava me dizer: "ninguém aceita um negro inteligente". Conversávamos, às vezes, horas sobre esse assunto. Hoje, não. Essa conversa havia se esgotado. Chega.

Ainda folheei a agenda algumas vezes. Um amigo de faculdade. Não o via desde que o curso terminou. Bem que podíamos nos reencontrar. Não. Nada a ver. Todos eram entediantes. Ou era eu o tédio? O problema sou eu. Admito: "Mea-culpa".

Novamente o telefone tocou. Era Beatrice. Outra amiga. Ia com mais três colegas da academia a um restaurante novo. Comidas deliciosas. Fiquei tentada a ir também. Mas sabia que chegaríamos no bar e conversa vai, conversa vem, falaríamos mal dos homens. Não! Adorava os homens. Chega de falar mal deles. Não tenho um no momento. Falta de oportunidade, só isso. Melhor pensar desse modo. Se pensasse nos meus amigos gays, ficaria deprimida. Tremendo sábado à noite. Não!

Levantei-me do sofá rapidamente. Tomei coragem: sairia sozinha. Fui até o quarto. Coloquei um vestido básico. Tamancão. Uma pintura leve. E saí. Peguei o carro e percorri as ruas da zona sul. Olhei um bar. Olhei outro. Todos cheios. Gente do lado de fora dos bares conversando e gesticulando muito. O Rio fervilhava. Que violência nada! Todo mundo quer é se divertir. Olhei o relógio. Quase meia-noite.
 
Escolhi uma pizzaria. Estacionei o carro, depois de muito rodar, é claro. Ia entrar na pizzaria, quando fui barrada na recepção. Uma moça de saia, camisa de mangas compridas, colete e gravatinha, perguntou:
- Sozinha? Espera mais alguém?

Quando respondi que estava sozinha, ela fez uma cara de piedade. Fiquei constrangida. Deu vontade de dizer: "Estou bem. Não precisa se preocupar. Apenas vontade de ficar sozinha. Não é qualquer companhia que me agrada. Sou exigente". Desisti. Achei que seria apelação. Me arranjou uma mesa no canto. Sem problemas. Ficaria em lugar discreto. Comeria minha pizza, tomaria meu chope e depois rumo de casa. O garçom fez a mesma pergunta:
- Esperando alguém?

Balancei a cabeça negativamente. Novamente aquela cara de piedade. Pensei: “será que sou um ET? Não tenho direito a estar sozinha? Preciso sempre estar em turma, em bando para sair sábado á noite? Que saco!!”

Saco mesmo. Um casal de namorados que estava ao lado comentava e olhava para mim. Pelo jeito eu chamava a atenção. Gostaria de dizer ao poeta que é possível ser feliz sozinho. E como é! Liberdade. Preciosa liberdade. Melhor sozinha do que assistir uma cena que presenciei num bar numa quinta-feira, quando acompanhava um casal amigo.

Um outro casal, que estava sentado em uma mesa ao lado, protagonizou uma cena deprimente. A mulher pediu uma massa e o homem uma sopa. Não conversaram nada. Ele abriu o jornal na mesa do restaurante e começou a ler as notícias enquanto sua companheira olhava para o nada. Falta de cavalheirismo. Solidão a dois. Dividir solidão é frustrante. Devo ser meio voyeur. Adoro me sentar sozinha e ficar reparando as outras mesas, assim como estavam reparando em mim.

O garçom me fez voltar à realidade. Trouxe a pizza. Pedi mais um chope. Dois rapazes olhavam insistentemente para a minha mesa. Não tinha ninguém atrás. Era parede. O alvo era eu . Disfarcei. Olhei para o outro lado. Um deles se aproximou e, sem pedir, sentou na cadeira em frente à minha.
- Posso lhe fazer companhia?

Sorri, para não ser antipática, mas respondi:
- Gostaria de ficar sozinha. Posso?
- Ele não vem mais. Desiste.
- Ele quem?
- O namorado. Deu bolo.
- Não estou esperando ninguém.
- Não? Sábado á noite, sozinha?!
- Algum crime?
- Estranho. Você deve ser sozinha. Não tem amigos?
- Tenho. Mas estou com vontade de ficar sozinha. Tenho direito, não?

Trocamos mais algumas palavras. Fui seca. Quando queria, sabia ser antipática. A pizza esfriou. Desisti. Chamei o garçom. Pedi a conta. Paguei. Saí do restaurante chateada. Não podia sair sozinha. Ditadura da companhia. Entrei no carro. Fui direto para casa.

Coloquei a chave na fechadura, entrei. Olhei o relógio de parede. Uma e meia da madrugada. Hora de dormir. Fui até a janela da sala. Ainda olhei a noite estrelada. Respirei fundo. Fui para o quarto. Mimi dormia no sofá que ficava perto da mesa de cabeceira. Senti inveja. Ela devia ser feliz. Não era cobrada. Gostava de ficar sozinha e ninguém a censurava pela sua maneira de ser.


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Atualmente, é Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou, recentemente, Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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