Seis da tarde. Como acontecia durante a semana, Rosemary voltava cansada do trabalho, na condução lotada. Com o pensamento distante, nem percebeu quando um ladrão se aproximou e cortou sua bolsa, levando documentos e dinheiro. Pensava na melhor maneira de dizer ao marido que queria a separação. Quase dezenove anos aturando Queiroz e a sogra que morava com ela. Não agüentava mais. Os dois não faziam nada o dia inteiro e quando ela chegava em casa, ficavam reclamando da vida. Só percebeu que havia sido roubada quando desceu do ônibus. Chegou em casa mais azeda e perdida do que nunca. Assim que entrou e encontrou o filho, o marido e a sogra sentados, assistindo TV, jogou a bolsa com raiva em cima da mesa: - Fui roubada e nem vi! Levaram meu dinheiro e documentos. Sem desgrudar os olhos da TV, Queiroz respondeu: - Bem feito! Garanto que estava distraída conversando com uma dessas amigas malucas e nem viu o ladrão se aproximar! Rosemary, cansada e de cabeça quente, não suportou a provocação que já era habitual. A discussão começou: - Enquanto eu fico conversando com as minhas amigas malucas, você fica aí sentado com essa cara de suíno, o dia todo, em frente à televisão e não sai para procurar um emprego. Só faz peidar e arrotar. Péssimo exemplo dentro de casa! Marilda, a sogra, que a tudo escutava, interferiu com ares de ressentimento: - Você tem que dar é graças a Deus de encontrar alguém como o Queiroz para ser seu marido. Homem fiel está aí! - Pois então pegue o seu homem fiel, arrume as malas e saia da minha casa. Não agüento mais sustentar vocês. Aproveito que o Jorginho fez 18 anos e acabo com esse casamento. Casamento, não, escravidão. Aqui em casa só fica meu filho. É bom que vocês saibam também que o Jorginho... A sogra interrompeu Rosemary aos gritos: - Já sei o que vai dizer. O Jorginho não é filho do Queiroz! Já desconfiava. Não tem nada da família. Eu não disse, meu filho? O Jorginho não é parecido com você! Desconfiadíssimo, principalmente porque a mãe vinha lhe atormentando os dias com essa idéia, Queiroz levantou-se do sofá e sacudiu Rosemary: - Quem é o pai do Jorginho? Me diga! Quem é o pai desse garoto? Rosemary continuou impassível, olhando para o marido e a sogra. Incentivado pela avó, Jorginho começou a questionar a mãe: - Fala mãe! O meu pai não é o Queiroz? A sogra, que não gostava da nora, aproveitou para fazer intriga: - Seu pai é o Arnaldinho! Você tem o andar do Arnaldinho! Os dentes do Arnaldinho! Parece o Arnaldinho na minha frente, quando garoto! Queiroz arregalou os olhos. Os lábios tremeram. Viu naquele instante a imagem de Arnaldinho com ar debochado a lhe dizer: - Você é mesmo um otário. Criou meu filho pensando que fosse seu! Arnaldinho era vizinho do casal. Os três foram amigos na adolescência. Quando se tornaram adultos, Rosemary chegou a ter um namorico com Arnaldinho, mas casou-se com Queiroz e um mês depois, engravidou. Queiroz e Arnaldinho viraram inimigos. Disputavam quem tinha o melhor carro, a casa mais bonita. Quando ouviu o nome de Arnaldinho, enlouqueceu: - Então é isso! Você se casou comigo grávida do Arnaldinho?! Como pôde me enganar esse tempo todo? Você e aquele cínico? Juntos? Rindo de mim? A gritaria começou. A sogra enfiava o dedo na cara de Rosemary, acusando-a de traidora. Queiroz andava de um lado para o outro, esfregando as mãos. Ainda tinha Jorginho querendo saber a verdade. Rosemary se calou. Queiroz foi até o quarto e voltou para a sala aos berros: - Vou tirar essa história a limpo! Abriu o portão e foi bater na casa de Arnaldinho. Jorginho foi atrás. Rosemary se aproximou da janela e ficou olhando para o nada. “Era muito coisa num dia só”, pensava. A sogra, que começou a confusão, foi para o quarto rezar. Queiroz esmurrava a porta da casa de Arnaldinho: - Abre, seu covarde! Tá com medo? Ou você só é macho para fazer filho na mulher dos outros? Quando Arnaldinho chegou e viu a confusão na porta de casa, desceu do carro enfurecido: - O que você quer comigo? Que escândalo é esse na minha porta, seu desocupado? Os dois gritavam no meio da rua. Pareciam galos de briga, ciscando de um lado para o outro. Arnaldinho deu um soco em Queiroz, que, não agüentou a humilhação e puxou o revólver da cintura. Foram três tiros certeiros no peito de Arnaldinho. Jorginho correu e pegou a arma da mão de Queiroz: - Assassino! Você matou meu pai! Deu dois tiros no rosto de Queiroz. A polícia encontrou Jorginho com a arma na mão. Foi algemado e preso. Dois dias depois, enlutada, Rosemary foi visitar o filho na delegacia. Quando viu a mãe, Jorginho correu para abraçá-la: - Viu só mãe?! Matei o Queiroz! Vinguei meu pai, mãe! Vinguei meu pai! Rosemary abaixou a cabeça. Demonstrava uma calma quase demente. Jorginho ficou branco: - Fala, mãe! Arnaldinho não é meu pai? Eu matei o meu pai? Fala! Queiroz era mesmo meu pai? Responde, pelo amor de Deus! Responde! Rosemary deu de ombros: - Tarde demais! Não vai fazer diferença agora. Virou as costas e se foi, num andar apressado, sem olhar para trás. No dia seguinte, quando o carcereiro chegou para servir o café da manhã, encontrou Jorginho morto. Enforcou-se com uma camisa que foi de Queiroz. O carcereiro teve dificuldade para abrir a mão direita do morto. Quando abriu, encontrou uma medalhinha de São Jorge. Presente de Arnaldinho. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Atualmente, é Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou, recentemente, Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
|