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Contos
01/04/2007 - 05h27
Sonhar não custa nada!
Celamar Maione
 

Carmelita era uma mulher comum: nem feia, nem bonita. Passava dos 30 e chegava aos 40. Seu maior sonho era casar e ter filhos. Invejava as poucas amigas casadas e com filhos, que nos finais de semana se divertiam reunidas com a família.

Para amenizar a dor da solidão, depois do trabalho, ligava a televisão para acompanhar os capítulos da novela preferida. Na casa de Carmelita hora da novela era sagrada: não atendia telefone. Vivia os passos da heroína preferida. Chegava ao exagero de imitar o corte de cabelo, as roupas, acessórios e até cacoetes.

As colegas de trabalho cansavam de convidar Carmelita para sair depois do expediente. Carmelita recusava sempre:

- Hoje não dá. A Alice beija o Alberto pela primeira vez.

- Deixa de ser boba, Cinderela! Coloca para gravar e vamos nos divertir. Como você quer um homem, se vive enfiada em casa assistindo novela?

- Que homem? Esses que andam por aí? Prefiro o Alberto... o homem perfeito!

- Cai na real, Carmelita: o Alberto é fruto da imaginação do autor. Não existe. Você precisa de vida. Sair. Conhecer gente nova.

- Cada um tem a vida que deseja e a minha é essa. Gosto de ser assim, ora!

Quando Carmelita era apresentada a um homem, logo comparava ao personagem principal das novelas. Queria perfeição. Não encontrava. Se decepcionava e optava pelos amores platônicos. Esses não machucavam e podiam ser fantasiados - dizia para as amigas.

Quando Reginaldo se mudou para o apartamento em frente, depois de anos, Carmelita saiu do mundo televisivo para prestar atenção no vizinho. Bonito, solteiro e melhor: simpático. O rapaz não tinha a arrogância dos homens privilegiados pela beleza, que namoram a si mesmos. Reginaldo passou a fazer parte dos sonhos de Carmelita. Quando se encontravam no elevador, Carmelita suava de nervoso. De noite, na hora da novela, imaginava beijar Reginaldo.

Num Domingo estava sozinha em casa e a campainha tocou. Era Reginaldo:

- Desculpe atrapalhar seu sossego. Minha mãe vem me visitar e esqueci de comprar açúcar... você pode me emprestar uma xícara? Minha mãe adora um café com açúcar.

Carmelita não sabia onde enfiava as mãos, por um momento pensou que fosse um sonho:

- Quer entrar? Vai ficar aí na porta? Peraí... já trago o açúcar pra você... um momento.

Depois do episódio do açúcar, passaram a se falar com freqüência. Reginaldo pediu o telefone de Carmelita. Só que o vizinho só ligava para Carmelita na hora da novela:

- Mãe, diz que não posso atender. Pede para ligar mais tarde.

- Mas você não está interessada no rapaz? Ele vai achar que é pouco caso.

- Hora da novela é sagrada. Deixa eu prestar atenção nessa cena. A senhora está me distraindo.

Virava o rosto e tornava a acompanhar atentamente mais um capítulo da trama. Reginaldo não telefonava de volta. Ficava sem graça. Foram cinco meses nessa agonia: Reginaldo querendo se aproximar de Carmelita e ela o trocando pelos capítulos da novela. Telefonava e ela nunca o atendia. Desistiu. Era homem tímido. Tinha medo de rejeição.

A mãe ainda alertou Carmelita:

- Carmelita, esse moço se interessou por você, está jogando a sorte fora.

- Que nada! É amizade. Só me liga na hora da novela. Você diz para ele ligar mais tarde e ele não liga. Está apenas sendo educado por causa da xícara de açúcar.

- É por isso que está solteira até hoje. É teimosa! Vai morrer solteirona.

- Não me iludo mais com sorriso fácil e gentilezas. Essas coisas só acontecem em novela.

Reginaldo não procurou mais a vizinha. Evitou os horários de Carmelita para não encontrá-la. Não se viram durante um mês. Numa sexta-feira, Carmelita se sentia cansada e solitária. Chegou do trabalho e tomou coragem para tocar a campainha na casa de Reginaldo. Quem atendeu foi uma jovem bonita de sorriso encantador:

- Pois não, senhora.

- Queria falar com o Reginaldo. Ele está?

O coração de Carmelita disparou. Ela pensava quem podia ser a jovem. Reginaldo apareceu e ficou surpreso ao ver a vizinha:

- Nossa!! Que milagre é esse?!

- Não vi mais você. Fiquei preocupada e vim saber se precisa de ajuda.

- Não, Carmelita, obrigado. Estou de mudança. Mudo-me daqui a duas semanas e minha namorada veio me ajudar a encaixotar as coisas. Deixa eu apresentar ela para você. Luana, vem aqui conhecer minha vizinha.

Carmelita foi mais rápida:

- Não, desculpe, estou com pressa. Boa mudança. Tchau. Foi um prazer conhecer você. Boa sorte. Chegou em casa aos prantos. Não falou com a mãe. Foi direto para o quarto e se jogou na cama. Chorou de soluçar. A mãe foi atrás:

- Carmelita, o que aconteceu? Foi demitida? Assaltada? Brigou com alguém?

Entre um soluço e outro, Carmelita demonstrou toda a sua desilusão:

- O Reginaldo arrumou uma namorada! Vai se mudar. Ele nunca gostou de mim. Sabia, droga! Amor entre vizinhos é coisa de novela!

Uma hora depois Carmelita já se recuperara da decepção. Em frente à televisão, acompanhava mais um capítulo da novela preferida:

- Não posso perder. Hoje a Alicinha revela o segredo da empregada!


Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi e atualmente trabalha na Nova Brasil FM. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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