Deocleciano Eduardo andava de um lado para o outro esfregando as mãos. A respiração ofegante incomodava quem estava perto. Olhava para o relógio impaciente. Até que a sogra o fez sair do transe: - Deocleciano, pára de andar de um lado para o outro! Tá me irritando. - Dona Adélia, a senhora não está nervosa? É seu primeiro neto! - Mas não nessa ansiedade. Quase derruba a enfermeira. Você devia estar na sala de parto junto com a minha filha. - Não tenho coragem! Se aqui fora estou assim, imagina lá dentro! Os dois travavam um diálogo nervoso, quando chegou a enfermeira com um sorriso largo: - Parabéns! O meninão nasceu com 3 quilos e 800 gramas. Quando Deocleciano viu a pediatra com o bebê no colo, gritou maternidade afora: - Meu filho! Meu filho!! Tios, cunhados, sogro, sogra, todos num abraço apertado comemoraram a chegada ao mundo de Deocleciano Eduardo Junior. Eduardinho Junior foi para casa num clima de amor e aconchego. Com um mês de vida, o menino esbanjava saúde. Tio Noel, irmão de Esmeralda, mãe do bebê, era o único da família que ainda não tinha visitado Eduardinho. Noel chegou à casa da irmã acompanhado da esposa. Estava cheio de presentes para o sobrinho: - Deocleciano, cadê o garotão? Tô doido para conhecer meu sobrinho. Não via a hora de chegar de viagem. Noel correu para o quarto da irmã e foi direto ao berço de Eduardinho Junior. Pegou o menino nos braços, beijou, abraçou e fez gracinhas. Esmeralda aproveitou a presença do irmão e da cunhada e foi até a cozinha pegar a mamadeira do menino. Nisso, quando entra no quarto, Deocleciano escuta um comentário de Noel para a esposa: - Não acredito Mirtes! Eduardinho vai ser gay! - O que é isso?! Como você pode falar assim de um bebê de um mês?! - O olhar dele, conheço o olhar. Trabalho com turismo. Viajo o mundo todo e conheço gay pelo olhar. Não erro! Mirtes bateu no móvel três vezes: - O que é isso!? Não diga uma coisa dessas! Deocleciano ficou furioso. A vontade que teve foi de ir às fuças do cunhado e gritar que seu filho jamais seria gay. Era um pecado prever uma coisa dessas de um recém-nascido! Conteve-se. Foi até a sala, respirou fundo. Voltou para o quarto recomposto. Desse dia em diante, porém, Deocleciano mudou. As palavras do cunhado não saíram mais da cabeça dele. Pensava noite e dia: "Será um castigo de Deus?!" Logo ele, um homofóbico assumido?! Se abriu com a irmã Nancy, uma solteirona católica apostólica romana, freqüentadora da missa das 6: - Nancy, Deus castiga? - Por que essa pergunta? Você não gosta de falar de religião! - Eu preciso me abrir com alguém. Vou sufocar! O Eduardinho é gay! - Tá maluco?! Como você diz uma coisa dessas do meu sobrinho?! - Quem falou foi o Noel. Escutei uma conversa dele com a Mirtes. Disse que reconhece pelo olhar. - Que pecado!! Deus castiga, sim, mas não no seu caso. Se acalma. Vou rezar por você. As orações da irmã não surtiram efeito. Deocleciano tinha pesadelos com o filho. Ele imaginava Eduardinho Junior já rapaz, apresentando o namorado alto e musculoso: "Papai, esse é meu namorado, Raul". Via-se na rua servindo de chacota para a vizinhança: "Lá vai o pai do Eduardinho bicha". Acordava suado e olhava para Esmeralda que dormia profundamente. Tinha vontade de sacudir a esposa e tomar satisfação: "Você me deu um filho bicha. Tá me ouvindo?! O que eu fiz pra você?!" Pensava no ridículo da situação. Ia até a cozinha, bebia um copo de água e adormecia até a hora de trabalhar. Saía e não se despedia de Esmeralda: - Deozinho, você tem andado muito estranho. Não pega mais o Eduardinho no colo e nem me dá beijinho de despedida. - Tô com pressa. Depois a gente se fala! Na verdade, Deocleciano não tinha coragem de encarar o filho. As palavras do cunhado martelavam sua cabeça: - No duro, o garoto é gay. Conheço pelo olhar. No trabalho, Deocleciano olhava horas para o nada. Os colegas notaram: - Depois do nascimento do Eduardinho Junior seu rendimento caiu. Seu Araújo outro dia comentava. Ele vai demitir você, abre o olho. Deocleciano fez cara de quem não se preocupava com a demissão e perguntou ao colega: - Você tem filho? Qual a idade dele? - Está com 16. Por que? - Ele é gay? O colega disse um monte de impropérios para Deocleciano. Se seu Araújo não chegasse na hora, partiriam para a agressão física. Deocleciano foi encaminhado para a psicóloga da empresa. Dona Regininha era conhecida por suas idéias modernosas: - Seu Araújo me disse que o senhor era um excelente funcionário, mas está com problemas particulares e caiu de produção. O que aconteceu? - Meu filho é gay. - Qual o problema em ter um filho gay? - Eu digo que o meu filho é gay e a senhora pergunta qual o problema? Francamente. - Ter um filho gay é normal. Esse preconceito foi superado pelas famílias. O importante é ser feliz. Seu filho é feliz? - Não sei. Faz um ano de vida daqui a duas semanas. A psicóloga licenciou Deocleciano. Na mesma noite, Deocleciano acordou de madrugada e foi até o bercinho do filho. O menino dormia serenamente. Deocleciano fez menção de pegá-lo. Uma besteira monstruosa passou pela cabeça dele. Olhava para o filho no berço e para a esposa na cama. A boca seca, apertava os olhos, abria e via tudo embaçado. Correu até o armário, fez a mala, pegou documentos, cartão de crédito, fechou a porta com cuidado para não acordar Esmeralda e partiu de carro, sem rumo. Quando a mulher acordou e não viu o marido, foi até o berço e colocou o filho no colo. O bebê chorava de fome. Deocleciano nunca foi localizado pela família. Eduardinho Junior cresceu sem pai. Para compensar a falta do marido desaparecido, Esmeralda encheu o filho de mimos e fez-lhe todas azs vontades. Aos 22 anos, Eduardinho Junior é um belo rapaz. Disputadíssimo por lindas mulheres. Tornou-se o estilista mais jovem da cidade! Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Atualmente, é Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou, recentemente, Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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