Assim que acabou a reunião, Maciel respirou fundo, olhou o relógio e pensou: "meio-dia. Assim não dá. Vou demitir a Dona Aparecida. Avisei a ela para não me incomodar". Abriu a porta enfurecido. Dona Aparecida andava, de um lado para o outro, com as mãos na cabeça. Maciel, sério e com voz autoritária, falou: - Dona Aparecida, eu não disse que estava em reunião? Que história é essa de tentar interromper a reunião? Ligar para o telefone interno? EU NÃO AVISEI QUE NÃO QUERIA SER INCOMODADO? Será que eu falei chinês? A senhora perdeu o juízo? A secretária fez cara de preocupada e como uma metralhadora ambulante foi falando coisas sem sentido: - Doutor Maciel, o senhor precisa ver uma coisa na televisão lá da copa, é urgente. O corpo de bombeiros está procurando o senhor. É, o corpo de bombeiros, a polícia, todos insistindo. Eu disse que o senhor estava em reunião, mas essa gente não quer saber. Daqui a pouco eles vão ligar novamente, disseram até que estão vindo pra cá. Dito isso, Dona Aparecida puxou o chefe e o levou pela mão para a copa, onde os funcionários estavam todos reunidos em volta da televisão. Maciel não entendia o que estava acontecendo. Mas assim que grudou os olhos na tela da TV, ficou branco. Uma repórter, quase histérica, gritava que a mulher ia pular. Assim que a câmera deu um close na mulher sentada no parapeito do décimo-segundo andar de um prédio, ele reconheceu: era ela, Verinha, sua ex-namorada. Havia seis meses que o romance tinha terminado. Desde então, Verinha não lhe deu sossego. Ela ligava para o escritório, perturbando dona Aparecida, pelo menos três vezes ao dia. Ele já havia trocado o número do celular umas 5 vezes. Sua vida virara um verdadeiro inferno. Verinha esperava Maciel na porta do escritório. Dormia na porta do apartamento dele. Convocava os amigos, ameaçava se matar e, pelo jeito, resolvera cumprir a promessa. Com cara de desânimo, ele perguntou a dona Aparecida: - Que horas essa confusão começou? Tem idéia? - Parece que às 8 da manhã. E os bombeiros e a polícia estão procurando o senhor, porque ela disse que só sai da janela se o senhor aparecer para tirar ela de lá. - Mas o que eu vou fazer lá com essa louca ameaçando se jogar pela janela? Dona Aparecida fez cara de espanto e implorou: - Doutor Maciel, pelo amor de Deus, a dona Verinha está ameaçando se jogar, ela ama o senhor. Isso é falta de caridade, isso é falta de humanidade. O senhor tem que ir até lá, tirar essa idéia da cabeça dela. Assim que a secretária terminou de falar, a polícia chegou procurando pelo Maciel. O policial conversou com Maciel, que acabou concordando em acompanhá-lo: - Tudo bem, eu vou sim. Mas vou no meu carro. Eu sigo vocês. Não entro em carro de polícia. O que os outros vão pensar? Enquanto Maciel seguia o carro dos policias, em direção ao prédio onde Verinha morava, a confusão na rua da ex-namorada aumentava cada vez mais. Os câmeras faziam malabarismos á procura de um ângulo melhor. Eram repórteres, curiosos, familiares e já chegavam também o pipoqueiro, os vendedores de refrigerante e água mineral, todos disputando um lugar privilegiado para acompanhar o drama que se arrastava desde as primeiras horas da manhã de uma quarta-feira ensolarada. Os bombeiros tentavam acalmar a multidão, que aumentava. A polícia fez um cordão de isolamento e não deixou mais ninguém entrar no prédio. Os curiosos que acompanhavam o impasse de Verinha desde cedo, faziam suas apostas: - Não pula mais não. Está sentada nessa janela desde 8 da manhã, já são quase duas da tarde. Outro espectador, mais revoltado, dizia: - Vai ter que pular. Faltei ao trabalho para ficar vendo essa palhaçada. Quero ver sangue. Uma senhora magrela e sem dentes profetizava: - Quando o namorado chegar, ela sai da janela. Já vi história parecida com essa. Ele vai chegar, os dois vão se abraçar... Outro gritou: - Cala a boca, coroa! Não diz besteira. Enquanto isso, Verinha continuava segurando firme no parapeito da janela do décimo-segundo andar do prédio onde morava. Um bombeiro tentava se aproximar. - Não é melhor a senhora sair daí? Vem, pode vir, eu vou segurar a senhora. Sem medo, não tenha medo. Se continuar sentada aí, a senhora pode se machucar. Verinha gritava, histérica: - Sai daqui. Se você der mais um passo, eu me jogo. Olha, larguei uma mão, para largar a outra é mais fácil ainda. O bombeiro, então recuava. Verinha perguntava: - Cadê o Maciel? Já avisaram a ele que eu estou aqui? Eu vou me jogar. Enquanto isso, um câmera, para pegar um ângulo melhor de Verinha, pediu à vizinha que morava ao lado para ficar no apartamento dela. Assim, da janela do apartamento, poderia fazer imagens melhores para o programa que entraria no ar naquele momento. O bombeiro não gostou. Houve discussão, mas o câmera acabou vencendo. Quando Verinha viu aquela câmera dando um zoom no rosto dela, passou a fazer caras e bocas. Apesar de estar cheia de calor, e já duvidando da presença de Maciel, aquela fama momentânea começou a agradá-la e ela gritou: - Para qual programa é? Qual é o canal? Nisso, o bombeiro, percebendo a distração de Verinha, já ia agarrá-la. Mas ela foi mais rápida: - Sai pra lá, coisa ruim. Sai pra lá ebó. Se der mais um passo eu me jogo. Maciel chegou com a polícia. Os policias furaram o bloqueio e levaram Maciel até a cobertura do prédio. Os curiosos comentaram: - O namorado chegou. Parece que é aquele que passou com a polícia. Um outro já comentava: - Ela descobriu que o namorado era bicha. Pegou ele na cama com outro. Do terraço da cobertura, Maciel via a ex-namorada sentada na janela. A polícia deu um megafone para ele: - Verinha, sou eu, Maciel. Sai daí, Verinha. Eu já cheguei. Estou aqui, sai com o bombeiro. Verinha também pediu um megafone. Trouxeram para ela: - Só saio se você voltar pra mim. Você volta pra mim? Expectativa geral. Maciel argumenta: - Vamos conversar. Sai daí e a gente conversa. Ela insiste: -Você volta? O bombeiro só esperando uma distração para agarrar Verinha. Ela de olho. - Volta ou não volta? Se você não voltar, eu me jogo mesmo. Não estou brincando. Você vai ficar com remorso pelo resto da sua vida. EU TE AMO. Nisso, ela olhou para a câmera e repetiu: - EU AMO ESSE HOMEM! Os bombeiros decidiram levar Maciel para conversar com ela dentro do apartamento. Assim que ele entrou, a mãe de Verinha, que estava na sala chorando, abraçou Maciel. - Salva a minha filha. Salva a minha filha, pelo amor de Deus! Quando Verinha se virou e viu Maciel entrar pela porta do apartamento, largou as duas mãos do parapeito para abraçar Maciel. O bombeiro correu para segurar Verinha, mas não deu tempo. Seu corpo tomou impulso. Verinha despencou do décimo-segundo andar. Caiu estatelada em cima do carro da polícia. Os bombeiros nada puderam fazer. A confusão foi geral. Enquanto a gritaria aumentava, os policias corriam para perto do corpo de Verinha, a mãe de Verinha também ameaçava se jogar junto com a filha. Maciel, aproveitando a confusão, foi saindo pelo canto. Desceu as escadas do prédio voando, se enfiou no carro e ligou para a secretária: - Dona Aparecida, dona Aparecida. Do outro lado da linha a mulher fungava. - Ela morreu, doutor. Ela se jogou, doutor. - É, se jogou. Agora presta atenção, escuta o que eu vou falar. Vai até o meu apartamento, pega umas roupas, faz uma mala e me entrega daqui a duas horas na porta do meu prédio. Anda. Pede para o motorista do escritório levar a senhora até lá. Depois Maciel ligou para a atual namorada, Suzane. - Suzane, escuta só, a Verinha acabou caindo da janela. Você viu pela televisão? Faz suas malas, vamos sair de circulação durante um tempo. Vamos fazer uma longa viagem. Só volto quando essa confusão passar. Três horas depois, quando a noite ia chegando, o rabecão recolhia o corpo de Verinha. A multidão, aos poucos, foi se dispersando. Enquanto isso, Maciel e Suzane pegavam a estrada em clima de liberdade. Maciel comemorava com a atual namorada a morte de Verinha: - Suzane, vou lhe dizer uma coisa. Não era isso que eu queria, coitada. Mas, finalmente, eu estou livre dessa louca. Até que enfim!! Suzane, abraçando o namorado pelo pescoço, e tascando um beijo nele, enquanto Maciel dirigia, sorriu e disse: - É amor. Vida que segue. Tristeza de uns, felicidade de outros!! Fazer o quê? E aos risos, os dois prometeram viver, dali para frente, longos momentos de amor. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Atualmente, é Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou, recentemente, Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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