A fila chegava a uns 30 metros. E não seria exagero. Mulheres, crianças, velhos e homens esperavam em pé, ou sentado, pela famosa e deliciosa pizza da casa número 25. Todas as noites eram assim. Miguel passava pela rua quando viu a multidão. Mudara seu itinerário por uma questão simples: ali poderia consertar sua bicicleta. Apavorou-se de imediato. Quando viu o anúncio em letras garrafais, porém, animou-se: “Pizza de graça – sexta”. Daqui a dois dias. O pequeno ajudante de pedreiro terminou seu percurso, já com a bicicleta consertada, e agendou em sua cabeça. O sorriso tomou conta de sua face. Homem para gostar de comer era aquele. Sentia prazer, entrava em júbilo, dançava e cantava quando se empanturrava. Os olhos cresciam, a boca ficava inquieta, as mãos trêmulas. Geralmente não se comportava de modo adequado nessas horas. O serviço na obra foi dos mais duros naqueles dias. E ele glorificou ao Senhor por isso. Mais trabalho, mais fome. Precisava recompor-se na sexta-feira. E faria com imensa alegria. - Não vai levar a marmita? – espantou-se a esposa. - Não, hoje não. - O nome dela? A esposa desconfiou que Miguel a estivesse traindo. Não levar almoço significava, para ela, que ele estava comendo em outro lugar. Com fome ele não ficava. Não suportava. Além disso, não trabalhava e era um mau humor irritante. - Vou fazer apenas um lanche. Porque, de noite, eu e você, meu amor, vamos comemorar. - Comemorar o quê? - Nossos anos de casamento. - Mas nem é o mês de casado. - Não importa. Encontraremos outra justificativa, então. Esteja pronta às sete. Vou buzinar... - Vai ganhar um carro? - ...com a bicicleta. – irritou-se. O dia passou uma maravilha. Miguel trabalhou, empenhou-se, ajudou mais do que o normal. Surpresa para todos. Cada hora a menos era uma alegria para o excelente ajudante de pedreiro. Até que a noite chegou. Correu até em casa. Buzinou. A esposa estava elegante: um lindo vestido preto e uma sandália prata; perfumada e com os cabelos penteados de modo nunca já visto. Ele deu um beijo e mordeu seus lábios. “Linda!”. A casa 25 estava lotada. Como de costume. Ele sentou-se nas cadeiras espalhadas pela calçada. Parecia dia de festa. A mesa ao lado estava cheia de crianças. “Odeio meninos”, pensou. “Pegam tudo e não comem nada”. Levantou-se e foi ao balcão fazer o pedido. - Oi! Boa noite. Eu quero oito pizzas. - Oito? - Pouco? – assustado. - Não, não... Sabores? - Variados. Menos de milho e presunto. Da brotinho. - Como!? – a mulher se ofendeu. - A pizza pequena. “Brotinho” o nome, não é!? A noite correu maravilhosa. Risos e gargalhadas. Os dois beijaram-se e conheceram novas pessoas. Umas novas no bairro, outras nem tanto. A conversa era interessante, até que um comentário fez esvair toda alegria de Miguel. - A pizza de Graça é deliciosa, não!? - Sim. Esse projeto que ela faz nos bairros, diminuindo o preço da pizza e mantendo a qualidade, é perfeito para nós. – riu. - Como assim? É de Graça? Não é de graça? - Anh? Não entendi a piada... - Piada vocês contaram. Quer dizer que vou pagar pelo que comi? - Não é óbvio? Miguel começou a suar. Ficou impaciente. A esposa não havia entendido ainda. Ele cochichou em seu ouvido e pediu que ela fosse ao banheiro e, de lá, descesse para casa. Mesmo temendo uma loucura do marido, fez conforme ele falara. Quase onze da noite, Miguel aparece. A roupa estava rasgada, o cabelo sujo de areia e folhas e a bicicleta quebrada. Ela o abraçou fortemente. Sabia que deveria ter ouvido seu instinto feminino. - Que aconteceu? - Nada. – calmo. Desci ladeira abaixo quando fugia do cachorro que a dona da casa soltou em cima de mim. Eu propus lavar os pratos, reformar a cozinha dela, limpar o quintal. Ela disse que eu deveria ir dar comida ao cão. - E? - Disse “sim”. E lá veio o bicho, feito touro. Só deu tempo de montar na bicicleta e pedalar. Acabei perdendo meu sapato. - Meu querido! - Eu fiquei mais frustrado porque deixei cair a última fatia da pizza... Que mole!
Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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