Francisco era um jovem que não esquecia suas origens. Sempre simpático, tivera com os pais ensinamentos que perduram por anos. Alguns até doloridos, outros nem tanto, mas todos contribuíram para seu atual caráter.
Acordara atrasado. Café não tomou. O banho fora obrigado. Por intuição, deixara a roupa já separada. Os passos eram apressados. Não o suficiente para deixá-lo suado. A ansiedade de uma entrevista de emprego fora suplantada pelo medo de chegar após o horário determinado – demitido antes mesmo de uma contratação.
Entrou numa rua. Era um atalho. Mas seu pai advertia-o para os caminhos mais curtos: geralmente nos trazem surpresas. Mais adiante, um carro parado. Uma moça, linda, parecia chorar, recostada no capô. Um pneu furado.

- Chorando para chamar a atenção. Essas mulheres...

Seu pai dizia: “Nunca deixe de ajudar uma mulher”. Havia exceções? Havia. Mas não era o caso. Apesar do atraso.
Aproximou-se. Saudou-a – ela não estava chorando. Deu um sorrisinho e ofereceu ajuda. A moça sorriu. Um simpático sorriso. Explicou a situação e aceitou a oferta.

- És tão amável.

Riram.
Durante o serviço, conversaram. Soube do itinerário da moça: seguindo a rua e pegando a avenida principal. Perfeito para ele. Animou-se. Trocou o pneu em questão de minutos. Limpou as mãos e esperou uma postura favorável dela. Respirou fundo, ansioso.

- Muito obrigada.

O agradecimento, naquelas condições, era nada. Indicou sua necessidade de chegar ao seu destino naquela hora. Imprescindível uma carona. E o fato de eles se encontrarem, exatamente ali, tudo convergindo, era obra de Deus. Ajuda mútua. Ela sorriu desajeitada, mas temia um seqüestro, talvez.
Ela entrou em seu carro e arrancou. Francisco caminhou como antes: desesperado. Apressou-se para chegar ao ponto de ônibus. Daria tempo. Cria nisso.
Passos adiante, o mesmo carro parado. A moça tentava, sem sucesso, descobrir o problema. Agora no motor. Ele sorriu de forma sinistra. E fingiu nada notar. Mas lembrou-se da mãe: “Vença o mal com o bem”. Parou. Atravessou a rua. Ofereceu ajuda.

- Seu carro não quer ajudar...

Ela riu envergonhada. Ele identificou o problema e o consertou. Limpou as mãos na calça. Deu um sincero “bom dia” e prosseguiu, ainda esperançoso.
Descera do ônibus e logo avistou a rua do prédio. Andou lentamente, uma vez que o horário havia extrapolado. Queria apenas dar explicações. E remarcar uma nova entrevista. Tudo é possível.
Encontrou o prédio. Entrou humildemente. Saudou a todos e conversou com a recepcionista. Usou as palavras corretas. Do telefone ela explicou a situação à psicóloga, que permitiu a entrevista naquele horário. Ele agradeceu com um discreto grito. Entrou na sala.

- Bom dia! – abriu um sorriso.

A psicóloga se levantou e deu-lhe um abraço. Pediu desculpas pelo que havia feito mais cedo, ao não oferecer-lhe carona. Extremamente envergonhada, entrevistou-o, mas tendo em mente o veredicto, independente do desenrolar da conversa.
Ao sair, Francisco lembrou-se de mais um dizer do pai: “Tudo finda bem, quando o bem fazemos”. Gritou e pulou intensamente.