A lanchonete do Seu Bartolomeu não era visitada como antes. Ponto de referência para almoço e conversa fiada, o pequeno comércio perdera sua clientela após um acontecimento inócuo: uma piada. Era mês de janeiro. A cidade onde Seu Bartolomeu mora situa-se no caminho para quem vai para o litoral. Pelo menos noventa por cento das famílias que se deslocam de férias paravam ali. O lucro triplicava, quando não quadruplicava. Havia alegria e comunhão entre todos. Certo dia, um viajante sugeriu que se desse copos descartáveis quando houvesse muitos clientes, para não comprometer a qualidade do atendimento – devido à demora, natural. Ao que ele respondeu: - Eu não lavo os copos. Apenas passo uma água leve. – e riu. Ele não medira a gravidade da resposta. Todos os clientes, que ouviram, preferiram abdicar do cafezinho – uma preciosidade do local – e dos sucos e aderir a refrigerantes com canudo. Assim, gradualmente, a clientela foi sumindo, passando a realizar a parada em locais mais distantes. Mas Seu Bartolomeu acredita que o desaparecimento dá-se por conta do trabalho do governo federal, que, por asfaltar o trecho nas imediações de seu estabelecimento, permitiu aos viajantes menos tempo de viagem e menos cansaço. É uma questão de óptica. A nova clientela conhecia o passado apenas pelas lembranças na parede. Eram fotos, cartazes, mensagens escritas à mão. Tempo que se foi. E parecia não tornar mais. Seu Bartolomeu não se queixava. “Deus dá. Deus tira”, é o que estava escrito em letras garrafais na entrada da lanchonete. - Seu Bartô, um copo com água. E um suco de laranja sem açúcar. - Neto, o pedido do viajante! – aos gritos com o ajudante. - Na estrada há horas? - Pelo menos três horas. - Cansa. - Cansa. - Viajar cansa... - Cansa, cansa... E eles ficaram nesse papo até o pedido chegar. O rapaz se dirigiu a uma mesa, agradeceu, serviu-se e bebeu. Havia açúcar. Enfureceu-se. Mas conteve-se nas palavras. - Neto! Tem açúcar! - Neto! Tem açúcar! – indignou-se Seu Bartolomeu. Neto apressou-se, despejou o conteúdo do copo dentro da jarra e caminhou-se para fazer um novo suco, sem açúcar. Quando aparece um novo cliente, sem tempo a perder. - Tem refrigerante? - Só diet. - Suco? - Laranja. – Seu Bartolomeu havia percebido a agonia do viajante e estava usando de esperteza. - Por favor. E uma coxinha. É frango? - É coxinha. - Digo: de frango? - Sim. - Isto é uma mosca? – apontando. - Sim. – sem maiores preocupações. – A danada não sai. O cliente desistiu da fritura e optou pelo bolo de leite. O suco, servido anteriormente ao outro viajante, apareceu em segundos na mesa. Inclusive o mesmo copo. Ele agradeceu, comeu apressadamente, pagou e foi embora. Neto surgiu com um novo suco. Colocou-o na mesa, serviu no copo e trouxe uma coxinha. O cliente ficou observando e, sem vacilo, indignou-se: - Mas eu pedi suco de cacau! - Como? Não, ouvi quando o senhor disse suco de laranja sem açúcar. - E trouxeram com açúcar. - Mas corrigimos. - E erraram novamente. O cliente ajeitou o cabelo e se levantou, antes que fosse apresentado um novo pedido. Seu Bartolomeu insistiu para que ficasse, mas ele foi embora. Então, o velho coçou a barba branca, pôs a mão no bolso e comentou com Neto: - Esses viajantes estão cada vez mais frescos, não é!? - Pois é.
Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
|