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COLUNISTA
Mateus Modesto
16/10/2008 - 07h00
Dia das Crianças
 
 

O Dia das Crianças passara em branco para os dois filhos de Robervaldo. Em branco entenda sem presentes, porque o dia inteiro foi de festa em seu bairro – inclusive com palhaços animando. Mas, para felicidade dos pequeninos, o pai havia prometido brinquedos. E o que ele prometia, cumpria.

Sem emprego, vivia de bicos: consertava um cano aqui, capinava um terreno acolá, trabalhava como ajudante de pedreiro em outro momento. Mas a semana não fora nada boa para ele. Saía pelas ruas procurando uma forma de ganhar dinheiro. Entrava e saía de lojas: sem experiência, sem referência, sem confiança. Robervaldo ia pela fé, uma vez que é quase impossível alguém empregar outro nessas condições. E a segunda-feira terminou. E as crianças cobraram seus presentes.

- Papai, cadê minha boneca?

- Pai, meu carro?

- Calma, calma. – olhava para a esposa. Esta semana. É que são tantas opções, que tenho que escolher o melhor para vocês. – deu uma risada desanimada.

A sua caminhada pela cidade prosseguia. Subia rua, descia rua. Entrava em prédio, saía de prédio. Sua camisa, outrora limpa, estava tomada de suor. Seu cabelo, desarrumado. Sua aparência, agora entristecida. Firme era aquela tarde, porque suas forças não mais existiam.

Robervaldo olhava a velocidade da cidade. Tudo em movimento. O desespero tomou-lhe a mente. Temia frustrar os filhos. Lembrava de sua infância pobre, sem direito a dignidade e a brincadeiras: tão cedo perdeu os pais; tão cedo se tornou homem. Sentado no banco da praça, chorava copiosamente. Ninguém aparecia para ajudar-lhe. Menos ele.

- Você caiu? - questionou uma criança de seis anos.

- Hein?

- Está chorando. Quando eu caio, eu também choro. Mas meu pai diz para eu parar de chorar, porque chorando dói mais. Então eu paro e continuo brincando.

A mãe do garoto chamou-o aos berros. Ele saiu correndo. E deixou cair seu carrinho. Robervaldo ainda gritou, alertando-o, mas ele sumira na multidão. Aquelas simples palavras fizeram-lhe refletir. Envergonhou-se por pensar em desistir e seguiu determinado a conseguir um emprego.

Defronte a um enorme prédio, resolveu arriscar. Buscou por vaga em serviços gerais. Antes de falar com a pessoa encarregada, conversou com uma faxineira. Ela indicou a maneira como conversar com o chefe: com humildade e desejo de trabalhar. Concentrado, arranjaram-lhe cinco minutos com Seu Nivaldo Peixoto, um senhor forte e barbudo.

- Boa tarde.

- Tem cinco minutos. – nem sequer olhou para ele.

- Vim à procura de um emprego. Percebi que só tem mulheres na faxina. Creio que precisam de um homem para o serviço mais pesado: carregar caixas, afastar armários, essas coisas.

- Andou o dia inteiro?

- Sim. Estou suado, não?!

- Andou conversando com alguém aqui?

- Sim. – ar de derrotado.

- Gostei de você. Determinado e inteligente. Dar-te-ei um período de estágio probatório. Vá a esta empresa, cadastre-se e entregue este papel ao senhor Mario. Só a ele. Apareça aqui amanhã às oito. Agora vai embora.

- Obrigado, senhor.

A felicidade estava estampada em seu rosto. Saiu andando nas nuvens, agradecendo a Deus. Queria chegar em casa para anunciar as boas novas. Porém, faltava-lhe arranjar o presente da filha.

No caminho, viu uma pequena boneca perfeitamente escondida a entulhos. Retirou-a e percebeu que estava intacta: todos os braços e pernas, inclusive com roupa. Abriu um sorriso.

Horas atrás, passeava uma mãe com a filha. Nervosa, a mãe arremessou a boneca para o alto, como castigo à filha pela sua desobediência. Caíra dentro de um compartimento para entulhos.

Robervaldo parou em um supermercado e pediu duas sacolas, para guardar os presentes. Sem dinheiro, solicitou ao cobrador do ônibus uma carona. Conseguiu até boa parte do trajeto, desconfiados de sua aparência – apesar dos brinquedos à mão. E, de ônibus em ônibus, chegou em casa. Antes de entrar, agradeceu novamente a Deus. Lembrou-se que não havia comido nada durante a tarde. Morria de fome.

As crianças já dormiam, mas ele tratou de acordá-las. Com um sorriso estampado no rosto, falou baixinho a cada uma delas: “Feliz Dia das Crianças”. Os abraços carinhosos completaram o seu dia de glória.


Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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