Determinação era o segundo nome de Joaquim. Assim ele sempre dizia pelas ruelas de seu bairro. E ninguém o contestava. Incontáveis foram os momentos em que seus vizinhos testemunharam as virtudes desse vencedor. Joaquim era um agradável rapaz de trinta e poucos anos. Escondia sua verdadeira idade de todos: cria que assim viveria mais tempo. Mas, ao contrário das mulheres, sempre aumentava dois ou três anos. Era ajudante de cozinha em um singelo restaurante da cidade, sócio de um pequeníssimo comércio na garagem de sua casa e babá dos seus sobrinhos aos sábados pela manhã. E cantor – profissão adquirida a muito custo. No último domingo de cada mês, em seu bairro, havia a Festa dos Populares, com brincadeiras, parquinhos e apresentações de dança, teatro e música. Mas não existia show de calouros. Apenas grupos de pagode agitavam a comunidade. Joaquim contestava junto aos organizadores e providenciou um imenso abaixo-assinado exigindo a modalidade. Foi atendido. Joaquim preparou-se do dia da inscrição ao da consagração – assim ele imaginava. Não bebeu água gelada, não saiu à noite, não gritou com os sobrinhos, gargarejava a cada meia hora e treinava todos os dias “Dormi na praça”. Sonhava com sua glória, com as tietes e os contrários e convites que passariam a ser constantes. Mal dormia. Na semana da apresentação, ele não conseguiu trabalhar. Cantava segurando a colher de pau, com o pepino, a cenoura... Enlouqueceu o chef e todos os garçons, repetindo sempre o refrão da música. A concentração era tamanha que carne e frango para ele eram a mesma coisa. Inclusive sal e pimenta do reino. O grande dia chegou. Joaquim era nervos à flor da pele. Não falava mais que duas palavras – “Oi”, “Boa sorte”, “Boa apresentação” – e evitou dar autógrafos em camisetas antes de seu desempenho. Tratava seus adversários com certo esnobe. Talvez surtisse algum efeito positivo. Subiu ao palco com certa intimidade. Usava uma blusa de oncinha, gel no cabelo, calças apertadas e anéis nos dedos. Como uma miss, saudou o público. Agradeceu a todos, inclusive parentes distantes, e gabou-se de ser o único que não cantaria pagode. Deu um sorrisinho galanteador, ajeitou as sobrancelhas com o dedo mindinho e soltou um beijo no ar. A glória o esperava ansiosamente. Ele imaginava isso. A cantoria seguia firme, sem erros, com entonação perfeita. Os músicos ajudavam. Tudo maravilhoso. O silêncio da platéia indicava apreciação. Ledo engano. De olhos fechados, Joaquim não percebia o que estava por vir. Circunferência perfeita e vermelho como a vergonha, o tomate voava a uma velocidade e ângulo perfeitos para um final antecipado. Ninguém sabe de onde veio, mas todos viram o momento que atingiu seu alvo. A desaprovação foi unânime. E a reação, a mesma, seguida de vaias e palavras de baixo nível. Os tomates incrementaram o figurino de Joaquim. Meia hora depois, com a ordem já estabelecida, o julgamento. Joaquim relutou, mas encarou a decisão. Estava determinado a ir além. E conseguiu: após a invasão ao palco, ele mudou-se para a casa do irmão, do outro lado da cidade.
Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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