Época de eleição é o único período que candidatos visitam o casebre do Seu Raimundo. Não há momento melhor que esse. Pai de cinco filhos, todos eleitores, é cobiçado. Aliás, cobiçadíssimo. Total de dez votos em seu “lar doce lar”, contando com sua esposa e outros três parentes. Seu Raimundo sente-se alegre ao ver tantas comitivas congratulando-o pela sua saúde: mesmo com apenas 50 anos. São tão simpáticos e amáveis, carinhosos e atenciosos. Tudo o que ele sempre quis de governantes. De tão emocionado, percebe-se olhos marejados. Sua esposa é animação pura, tentando acomodar seis pessoas em sua pequeníssima sala. Poderia oferecer-lhes algo, se realmente tivesse condições para isso – martiriza-se por não ter comprado além do orçamento na feira do domingo passado. Eleição é o tempo para se pedir. E os candidatos o fazem extremamente bem. Carismáticos e cínicos, prometem melhorias estonteantes e inigualáveis. “Uma nova vida te darei” é o que se pode ler nas entrelinhas. Verdade ou não, Seu Raimundo e família sorriem o sorriso da esperança, tão aguardado há mais de três eleições. - Mirinalva, amanhã vamo na cidade comprá mais panela e um armário novo, pruque o dotô prometeu mais comida. Ele tá dizeno que vamo meiorá de vida! Os candidatos exibem um belo sorriso. Sorriso de campanha, perfeito. Os óculos escuros não permitem que se percebam as lágrimas. Se houvessem. Com jeitinho, o candidato distribui santinhos e pede que se cole um enorme cartaz em sua porta. Tudo para garantir o selo da confirmação. - Dotô, eu sei que o sinhô é um homi bom. Mas, venha vê isso aqui. – mostra-lhe o banheiro inacabado. - Que quer que eu faça? - Queria uns brocos. – sussurra. Um erro. É um erro vender o voto. É um direito que se escorre pelo ralo do banheiro. Pedidos tão simples e consumíveis que nos faz saber o porquê do país não mudar a realidade dos pobres. Seu Raimundo sente vergonha, mas a necessidade fala mais alto. O candidato coça a cabeça, diz que não pode. Seu Raimundo faz uma cara de pobre coitado – o que não foi difícil. Famílias tão abandonadas, esquecidas pelo tempo e pelo governo. A fome e a miséria não esperam o dia da eleição. Ali surge um (pseudo) amor fraternal. Seu pedido é atendido. Afinal, elas precisam. Afinal, são dez votos. A comitiva vai embora. O pensamento de mudança ressurge. A certeza de conquista enche os corações de toda a família. É um novo tempo. Novos candidatos, novas perspectivas, novas propostas, novos pedidos. Dia após dia, candidato após candidato, Seu Raimundo e família fazem novas solicitações. Blocos, telhas, cestas básicas, colchões. A lista vai aumentando. Nem todos correspondem à sua expectativa, mas boa parte lhe é atendida. A felicidade está estampada naquele casebre. Eleição é o período de conquista. Grandes conquistas. E, assim, Seu Raimundo vai construindo sua vida. Sua casa está praticamente terminada pela “boa obra de suas mãos”. Sua família o felicita. Nunca tantas graças foram alcançadas em uma única eleição. Homem humilde, astuto e visionário. Seu Raimundo é exemplo de conduta. O dia esperado chegou. Pegam a condução e dirigem-se para outra cidade, onde votam. Longe de toda aquela agonia, de todos aqueles candidatos, preparam-se para escolher, às cegas, o candidato que será melhor para o restante de sua família. Se é que existe algum.
Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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