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COLUNISTA
Mateus Modesto
13/08/2008 - 16h22
À espera de um milagre
 
 

Ele tremeu quando recebeu aquela ligação. Sinceramente, desejava que seu celular estivesse desligado ou fora de área. Não podia inventar outra desculpa: já era a quinta remarcação. O dia de ir ao dentista chegou.
Parou em frente ao prédio do consultório do Doutor – não lembrava o nome do profissional. Respirou fundo. Desejou que houvesse uma tempestade naquele momento. Ou fosse atropelado. Ou qualquer outra coisa. Caminhou até a recepção. Até o elevador. Seu coração batia desesperadamente. Quando entrou no elevador, parecia que estava indo para a cadeira elétrica. Começou a suar. A respiração estava ofegante.
No corredor da sala 502, desejou que houvesse um terremoto. Ou um tornado. Entrou e olhou todos. Não deu “bom dia”, não acenou nem sorriu. A secretária estava com um sorriso sinistro e uns óculos assustadores. Ele informou o nome. Errado.

- Não consta nenhum Eduardo Abreu, senhor.
- Mesmo?!

A assistente do dentista surgiu na hora. E o reconheceu.

- Até que enfim, Maurício. – olhou para a secretária e completou – Ele está marcado para as nove e dez.

Ele abriu um sorriso constrangido. Ela mostrou seu lado mais sombrio: franziu a testa, diminuiu os olhos, levantou um pouco os lábios e resmungou baixinho. Ele temeu que estivesse rogando uma praga. Ficou mais desesperado ainda. Começou a suar frio.
Sentou-se. Era o quarto paciente. Pegou uma revista para se distrair. “Se o médico demorar muito, passar uns quinze minutos do meu horário, eu vou embora”, pensou animado. Eram quinze para as nove. De aflito, tornou-se calmo. E alegre. Era impossível um dentista tratar de três bocas em quarenta minutos. Folheou as páginas contemplando seu plano.
Admirava-se com as fotos de artistas e desconhecidos quando a secretária indicou a sala à paciente. Para sua infelicidade, as três pessoas estavam juntas. Seu plano foi frustrado. Abriu a boca, atônito. Sua respiração foi falhando, juntamente com seu coração. Desejava água, uma ambulância, uma luz. Mas o que teve foi o sorrisinho irônico da secretária – ela parecia perceber sua angústia. Ele teve raiva. E quase chorou.
Pontualmente às nove e dez as pacientes saíram da sala. O coração dele acelerou. O sangue esquentou. Poderia ter um infarto naquele momento. Não conseguia respirar, falar, enxergar. Sua visão ficou turva, ficou tonto, branco, roxo. Tanto desespero por conta de traumas de infância: o antigo dentista era seu maior inimigo.
A secretária o chamou. Tudo ficou em silêncio. Ele apenas ouvia seu coração, que aprecia gritar. Passos lentos, caminhando para seu fim. Um filme, assustador, passou em sua cabeça: lembranças inesquecíveis de consultórios. O lugar ficou escuro, opressivo. A assistente esperava na porta: havia uma trama maquiavélica naquele momento. O dentista estava de costas. “Deve estar com uma faca”. Ele se virou e abriu um sorriso falso. “Hipócrita!”, pensou. Ele se deitou. “Vão me anestesiar e roubar meu rim”.
A assistente colocou o babador, deu um guardanapo. Abriu um sorriso e o encorajou. A cadeira foi descendo, subindo, mudando de posição. O dentista jogou aquela luz em seus olhos – imaginou o teto da emergência de um hospital, quando pessoas aparecem ensangüentadas, quase sem vida. Sua boca foi visada e revisada. Todos os dentes vistoriados. Ele apertou os braços da cadeira. Cada vez mais. Suas mãos suavam. O dentista pegou o motorzinho. Era o que mais temia. O som do aparelho dava-lhe desespero. O sorriso da assistente dizia: “Chegou a sua hora! Há-há-há! Quero sangue!”. Ele viu o Doutor fazer uma careta monstruosa, apesar de completamente encoberto pela máscara em sua boca, os óculos e da toca. O motorzinho estava operando.
O dia estava lindo lá fora. O sol brilhava, esquentando o mar. Crianças pedalavam no calçadão e os casais namoravam na areia. Pais desfilavam seus lindos filhos, recém-nascidos. O vendedor de cocos faturava. Adolescentes malhavam nas barras. Aves voavam pelo céu. Navios, iates e pequenas lanchas enchiam o alto-mar. E ele morrendo dentro daquela sala. “O que MacGyver faria?”.
O barulho do motorzinho se confundia com seus gritos. Temia tocar em suas gengivas e bochechas. Devia ter sangue jorrando. Ele estava suando. Seu coração parou. Não conseguia respirar. Desmaiou. Na verdade, apenas desejou. O médico acabou o tormento. Foram os piores dez segundos de sua vida.
Enfim, terminou bem. Ele saiu vivo, com todos os dentes. Observava atentamente tudo ao seu redor. O consultório era agradável, a assistente era muito bonita, assim como a secretária. E, para sua surpresa, o dentista era, na verdade, uma mulher. Coisas que só se percebe quando se está em paz.


Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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