Dia de vestibular. Importantíssimo para boa parte dos adolescentes. Ingressar numa faculdade é um grande passo para construir um bom futuro. Rodolfo tinha a consciência do que queria ser: publicitário. Gostava da profissão. Já havia sondado algumas agências, feito uma pesquisa de campo e apurado a dinâmica do trabalho. Se não fosse isso, seria bombeiro ou guarda municipal – ele odiava apagar incêndios e observar praças. Arrumou-se, preparou-se psicologicamente, e foi em direção ao local da prova: a própria faculdade. Lá, observou atentamente as instalações dos prédios, procurando vazamentos ou qualquer outra coisa que não creditasse a instituição. Estava completamente arrumada. Perfeitinha. Entrou na sala, cumprimentou todos e escolheu uma cadeira na frente. Ao seu lado, uma bela morena se senta. Havia inúmeras vazias e melhores posicionadas que aquela. “É porque eu estou aqui”, pensou, exibindo um sorriso malicioso. Olhou-a dos pés à cabeça. Ela olhou de volta. - Oi! – disse ele. - Olá! - Você vem sempre aqui? - Como é!? Ele fingiu que engasgou, ajeitou o cabelo e enxugou o suor que descia pela sua testa. “Que burro! ‘Vem sempre aqui’... estamos numa faculdade!”. O coração dele estava acelerado e suas pernas pareciam não querer parar de balançar. - Você está preparada? - Ah! Pensei ter ouvido outra coisa... Sim! Estudei bastante. - Espero te ver ao meu lado. - Como é? - Na sala de aula... – ele continuava suando. Nada estava emplacando. - Você é confiante. Ele exibiu seu melhor sorriso. Penteou as sobrancelhas com o dedo indicador, passou a mão sobre o cabelo, cruzou as pernas, balançou a cabeça. Parecia estar encantando a menina com esses movimentos. Ela permanecia a mesma. - Em tudo. – pôs uma mão na cintura, a outra no queixo e piscou o olho. - Legal. – franziu a testa, em desaprovação. A fiscal apareceu na sala, dando os avisos necessários. Ele ajeitou-se. Ela pediu para abrir sua garrafa de água. - Está ruim... - Essas meninas... Frágeis. Só tendo um homem ao seu lado... Ela franziu a testa novamente. Ele rodou, rodou e a tampa não destravou. Limpou a mão na calça. Nada. Usou a camisa. Nada. Usou os dentes. Nada. Enxugou novamente a mão. Nada. Ele começou a suar. - Pode deixar. - Não! Usou o bocal de sua caneta. Nada. Tentou com os dentes. Com a unha. Com a caneta. Prendeu nas pernas. Bateu contra a parede. Nada fazia abrir aquela garrafinha. A fiscal já estava preocupada. - Algum problema? - Ele não conseguiu abrir a garrafa. A sala deu um sorriso comedido. Ele suou mais ainda. Não teve coragem de olhar para trás. Bebeu toda sua água, tentando apagar o seu calor. Estava tremendo. A fiscal entregou as provas, revisando as regras: nada de caneta azul, conversinha, calculadora, celular... Rodolfo não estava ouvindo. Apenas pensava na garrafinha. Não acreditara na incompetência. Malhava havia seis meses. Açaí a cada dois dias. Macarrão era sagrado. Vitaminas e mais vitaminas. Sua reputação estava jogada ao chão por causa de uma frágil garrafa. Pediu novamente e concentrou-se. Respirou fundo, com raiva. Usou toda sua força. Segurou-a com a mão esquerda e, com a direita, apertou a tampa. Em sintonia, girou a tampa e levantou-se da cadeira. Conseguiu abrir. Mas a garrafa escapuliu de sua mão, subindo e voando de uma forma estranha até atingir uma cadeira à esquerda, molhando três pessoas e suas provas. Todos ficaram assustados. Ele, ao ver a tampa, ostentou-a como um prêmio, dando um brado e erguendo sua mão direita. Era sua honra restabelecida.
Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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