- Tenho que casar... - Como é!? Um calafrio correu pela sua espinha. Arrependeu-se no momento seguinte. Ele havia falado muito alto. Em frente a uma enorme pilha de pratos, Mário fingiu que nada acontecera. Continuou esfregando a palha de aço no fundo da panela, jogando água quente para tirar gordura e passando detergente na bucha. Começou a compor uma música sem ritmo por não conseguir lembrar alguma. Até que, impensadamente, cantou o que lhe veio à mente: Amélia. Um desrespeito à irmã. Praticamente um ato de suicídio. Ele gelou. E temeu. - Você quer uma mulher para casa e não para casar. Seu... Depois disso foi só sermão, para não dizer outra coisa. Mário ficou quietinho, apenas ouvindo e lavando os pratos. Não teve coragem nem de olhar para o lado. Seus ouvidos berravam de dor. Era provável que algum morador chamasse a polícia. A irmã não se cansou de falar. Esquecera a panela no fogo, a carne na frigideira. Ele tentou alertá-la, mas a faca na mão dela o fez desistir. Então, fez o que ela faria: encheu uma vasilha de água e jogou no feijão. Péssima atitude. - O que está fazendo? - Não estou. Já fiz. O feijão estava queimando. - Quer me ensinar a cozinhar? Nem sabe lavar os pratos e já acha que... Ele apenas se concentrava na faca. Uma direção errada e ele perdia umas gordurinhas. - Tome. – apontando-lhe a faca e a cebola. - O que... para quê? - O almoço é seu. Mário riu. E, percebendo a seriedade, fechou o rosto. E começou a chorar - por causa da cebola. Cortou-a em cubos, rodelas, picada, de todo jeito. Até os dedos ele ameaçou cortar. Jogou óleo na frigideira no momento errado, derrubou o tempero no chão, pôs sal de mais no feijão. Ele se viu abarrotado. Deixou por um momento o fogão e foi terminar de lavar. A irmã o espiava pela porta. E torcia por mais tropeços. Depois dos pratos lavados e do almoço “domado”, a irmã o fez lavar as próprias roupas. Ela não lavaria mais. Ensinou para que servia o amaciante, o sabão de massa, o sabão em pó, o xampu, o pregador, o porquê de separar as roupas por cor, deixar de molho... Ele já estava desesperado. À tarde, depois de lavar cuecas e algumas blusas, encontrava-se sem forças. Enquanto rasgava os dedos esfregando e torcendo mais roupas, olhou à sua volta e, sem perceber a presença da irmã, disse convicto, suspirando longamente: - Eu preciso casar!
Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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