Seu João completara 80 anos há uma semana. Mesmo dia que seu neto Joaquim fizera 12 anos. Muita festa, muitos parentes, muita alegria. E muita diferença entre as gerações. Sentados à sombra de uma bela árvore e comendo umbu, os dois discutiam as vivências da infância. O avô havia sido criado na fazenda, juntamente com 10 irmãos e três irmãs. O neto, na cidade. E filho único. Mal visitara o pequeno lugar onde seu pai havia nascido, o mesmo do avô. Onde agora se encontravam. - Vê aquelas casas? Não havia no meu tempo. Nem a praça, a ponte e aquele negócio que dizem que é uma estátua. - Era tudo mato... - Havia muitas árvores. E por ali – apontando – descia um caudaloso rio. - E onde ele está? - Aí! – indicando com a cabeça – Devastaram a mata ao redor dele... - A mata ciliar. - Isso. E ele foi morrendo, morrendo... ficou assim. - Quantas mudanças. - No meu tempo muitas coisas não existiam. - Computador, máquina digital, televisão... - É. Com a idade que você tem hoje, meu neto, eu já era um homem. Tirava leite, ajudava a levantar muro, lavava cavalo... O neto ficou meio embirrado. Não gostava desse tipo de comparação: dava a entender que ele era um menino que mal sabia lavar o próprio prato – o que era verdade. Escutou o avô atentamente, esperando uma oportunidade para rebater. - O senhor roubava? - Frutas. Mas os pés eram encharcados. Manga dava-se aos montes. Perdia-se no chão. A gente ia limpar o terreno. - Mas é errado. - Verdade. O certo era pedir. Mas Seu Bertulino, o dono da roça, era um velho chato. E sempre contava para o meu pai. - E...? - ...chinelo, cinto, vara verde nas pernas... Joaquim ficou admirado com as histórias do avô. Percebia o quão diferente e alegre havia sido a sua infância. Alimentar galinha, tomar carreira de porco e cachorro, ralar os joelhos nas pedras dos rios, tirar leite de vaca, subir em árvores, arrancar fruta e comê-la, ser bicado por galos ciumentos, andar a cavalo. O mais próximo de aventuras que vivera foi quando passou as férias no apartamento do primo e tocava campainhas e corria. Quanta diferença! Seu João expunha suas vivências, tudo o que contribuíra para seu amadurecimento. Casara-se aos 17 anos. Primeira namorada, sem beijos, sem contato íntimo. Amor à primeira vista, apaixonara-se pelo doce sorriso da futura esposa. Além do olhar, carisma e beleza. Perfeita ao seu modo. O neto tentava convencê-lo que as mudanças eram também interessantes. Jogos de videogame, pessoas on-line, notícias a todo instante, RPG, mp4, música eletrônica. Explicava-lhe cada nomenclatura, cada ambiente do mundo virtual. O avô parecia não querer aprender. O neto, então, começa a explicar, detalhadamente – e descrevendo como num mundo da fantasia – o mundo das conversas por computador. - Você conversa com o computador? - Não. Com pessoas que estão em outros computadores. - E por que não saem juntos? - Por que moramos longe, às vezes. - No computador... sem vê-las? Sem olhar em seus olhos? Que estranho. - É. Mas podemos ver através de webcam. - De quê? - São... – concluiu que ele não entenderia – Podemos conversar com pessoas de outros países. Tenho um amigo em Londres. Ele é espanhol, já morou três anos na Bahia, seus pais são brasileiros. Tem uns 16 ou 17 anos. Mês que vem vai para a França e... - Estranho. – coçou a barba. - Por quê? - Porque... você não conhece seu vizinho, não sabe o nome do dono da padaria da esquina nem do jornaleiro da sua rua. E parece saber mais desse amigo inglês do que o passado de seu pai. Tem amigos que nem sabe sua cor! – levantou-se – Riu quando contei da minha infância, mas brilharam seus olhos quando falou dessa sua internet... Joaquim ficou calado. Interagia com um mundo frio, sem contato físico, solitário e limitado – um botão o desconectava. Havia trocado de computador umas três vezes, em menos de cinco anos, enquanto o avô continuava com a mesma televisão de 10 anos atrás. - Venha. Vamos entrar e tomar um belo café. Correu em direção ao avô e deu-lhe um forte abraço. O cabelo branco não parecia mais indicar velhice, mas sabedoria. Sorriu-lhe e caminhou de cabeça baixa, refletindo sobre suas paixões.
Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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