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COLUNISTA
Mateus Modesto
05/06/2008 - 07h13
O telefonema
 
 

Maria Fernanda entrou na sala cantarolando “Foi Deus quem fez você”. As amigas estranharam e se assustaram ao ouvi-la. Ela tinha um sorriso enigmático no rosto. Uma olhou para a outra e todas as três afirmaram com veemência: “Ela está amando!”.
Bastou o sinal tocar para o intervalo e as três cercaram a amiga. Queriam saber o nome dele, a idade, cor de cabelo, o beijo, quem beijou quem, como e onde foi o encontro. Não queriam apenas respostas: queriam os pormenores – isso incluía sensações, batimentos cardíacos e horários. E falavam sério.

- Meninas! Quer dizer que não posso cantarolar?
- Fê... Amelinha??? Meu avô ouvia isso!!!
- Nem tanto, Bru...
- Não importa. Conte-nos... – clamou Suzana.
- Sobre? – ar de desentendida.
- O seu novo amorrr!!! – sussurrou Flávia.

Maria deu mais um sorrisinho e caminhou em direção à cantina. As meninas a seguiam.

- Deixe de bobagem. Somos suas melhores amigas... – expôs Bruna.
- Só por isso devo contar?

As três não acreditaram. Começaram a descrever os inúmeros acontecimentos – já anteriormente relatados – de cada uma, desde o mais simples e desnecessário ao mais íntimo e engraçado. Contaram da vez que Bruna caiu em cima do cachorro, depois que pisou num buraco, da vez que Flávia deixou cair um absorvente no meio do shopping center, e da vez que Suzana se apaixonou pelo namorado da prima, sem saber do relacionamento deles.

- Tudo bem. Mas só no QG...
- Anh?! Como? Não!!! – Bruna quase explodiu – Só depois da aula?

As horas passavam devagar. Os ponteiros pareciam emperrados. A professora estava disposta a levar até o último minuto. Maria continuava a cantarolar, desta vez Vinícius. Bruna se corroia por dentro de tanta curiosidade. Enfim, a aula terminou.
Cada uma foi para sua casa, e na hora combinada se encontraram. Fizeram pipoca, trancaram-se no quarto de Maria e ligaram a televisão, para ninguém ouvir a conversa. Uma sentou-se na cama, outra na poltrona e duas no chão.

- O nome dele é Felipe Marcelo.
- Ou é protagonista mexicano ou é um príncipe. – adiantou-se Suzana.
- Pelo brilho nos olhos dela... é príncipe! – respondeu Flávia.
- Aaaaaaah!!! – todas gritaram eufóricas.
- Felipe Marcelo Maranhão Abrantes não-sei-mais-o-quê. São quase oito nomes. Imenso.
- E você já conversou com os pais dele?
- Bru, eu só tenho 14 anos. Calma! Ele nem conhece meus pais.
- Ele tem irmão, primo, amigo?
- Não sei. Conversamos uma vez apenas.
- Deu seu telefone?
- Sim, Bru.
- Aaah! – gritou Bruna – Minha amiga está namorando!!!

As outras duas se olharam e gritaram também.
O telefone toca. Bruna fica de pé, abraçando o travesseiro, balançando a cabeça e gritando: “É ele! É ele! É ele!”. Suzana encosta no telefone, como se assim pudesse vê-lo. Flávia começa a chorar.

- Minha amiga... está... amando! – incompreensível devido aos soluços.
- Atende! Atende! Atende! – desespera-se Bruna.

Maria atende.

- Não! – gritou Suzana.

Maria desliga assustada.

- Você não esperou nem três toques. Ele vai saber que você está esperando a ligação. Assim, ele vai abusar do seu amor. Tente ser... natural.
- Não se desespere... Não se desespere... Respire fundo.
- Não estou desesperada, Bru.
- Aaaah! – desta vez Bruna largou o travesseiro, mas continuava a balançar a cabeça e os braços.

O telefone tocou novamente. Maria esperou cinco toques. Suzana disse que era pouco. Bruna disse que era muito. Flavia continuava chorando baixinho. Dez toques.

- Oi! Alô!? – aparentando desinteresse.

As outras três ficaram em silêncio. Podia-se ouvir a batida do coração e respiração de cada uma. Os olhos de Bruna estavam arregalados. A boca, entreaberta. As pernas estavam flexionadas, e sua cabeça inclinava para frente a cada respirar de Maria. Flávia mordia o travesseiro. Continuava sentada, balançando-se para frente e para trás. Suzana dava sinais de que iria desmaiar: mãos suadas, olhos quase fechados, respiração ofegante – além de ter declarado isso.

- Sim. Não. Não. Não! – desligou – Não era ele.

As três desesperaram-se.
O telefone tocou novamente. E novamente. E novamente. Por quinze vezes naquela tarde. Nenhuma foi ele. Maria estava nervosa.

- Eu vou ligar! Eu vou ligar! Eu vou ligar!
- Não! Não! Não! – gritava Bruna.
- Essa é a jogada dele! – bradou Flavia – meu irmão faz isso. Diz que vai ligar e não liga. A namorada dele fica esperando o dia inteiro. Ou ele sai para jogar bola ou fica em casa dormindo.
- Meu primo é assim também. – comentou Suzana.

As duas irritaram-se com Felipe. Envolveram duas situações, com diferentes pessoas e imaginaram a intenção dele: queria magoar a amiga, deixando-a apaixonada. Foram inflamando, alimentaram um pensamento e tornaram Maria vítima de um conquistador. Não poderia, jamais, falar novamente com ele. Ela concordou.
Arrancaram a linha do telefone, fizeram mais pipoca e resolveram assistir ao filme locado. Mal apertaram o Play, o telefone tocou. As quatro ficaram estáticas. Não sabiam quem havia recolocado a linha. Maria admitiu a ação. E atendeu, tentando ser natural.
As meninas ficaram em silêncio. A televisão já estava desligada. Ninguém se mexia. Maria riu, sorriu, deitou, sentou, embolou os fios, os cabelos, levantou-se... a voz quase sumia. Desligou.

- Aaaaaaah! – gritaram eufóricas.

O telefone tocou novamente. Calaram a boca. Era ele.

- Maria, nem te expliquei. Eu tentei ligar mais cedo, mas não consegui...
- Tudo bem. Eu nem lembrava que havia passado meu telefone a você...


Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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