Marisa estava entediada. O computador de sua casa estava quebrado. Feriado, chovendo e não tinha uma amiga sequer no novo prédio onde passou a morar. Estava sozinha, tinha apenas 13 anos, não podia pegar o carro. E mesmo que tivesse 20 e com carteira: seus pais não haviam deixado as chaves. Visivelmente dopada com a excessiva inércia, ela tentou algo inusitado para vencer o tédio: foi dormir. Lançou-se na cama, cobriu-se com um lençol e pôs o travesseiro na cabeça. Minutos pareciam horas. Não conseguiu dormir. Imaginava que em trinta minutos a chuva teria passado. Mas não passou. Imaginou que poderia suportar um dia sem internet. Não podia. Imaginou que ficar sozinha em casa seria maravilha. Não foi. Estava tão importunada que até ouvir música não prestava. Pensou em um livro. Ainda estava traumatizada com a professora de Literatura: passara um trabalho sobre escritores brasileiros e suas obras. A leitura de cada uma foi insuportável, ainda que o tempo tenha sido de quase 10 meses. Na verdade, ela não gostava de ler. Melhor: não suportava livros. É da “geração MSN”, ou seja, escreve metade das palavras e lê quase nada: apenas ouve música com seu aparelho mp3 de 2 gigas. Seu pai dizia que um bom livro fazia pensar, imaginar uma situação, aprender, entender que há mais de um pensamento sobre determinado tema, por mais absurdo que ele possa ser. Ela resolveu encarar. Procurou os mais finos. Mas eram técnicos. Ou aparentemente chatos. Arrancou “O Mestre Inesquecível” da estante do pai e dirigiu-se para o quarto. Trancou a porta. Começou folheando, lendo as anotações que o pai havia feito no livro: foi um presente para sua esposa. Iniciou a leitura, pausando a todo instante para ir beber água ou comer alguma coisa. Quando se sentou, não mais levantou. Do primeiro ao terceiro capítulo foi um instante. Em minutos havia “degustado” metade do livro. Estava com sede do Jesus Cristo descrito pelo autor. Para saciar sua curiosidade, fuçou seu quarto procurando pela bíblia, já empoeirada. Cada referência sobre textos bíblicos ela ia verificando. Não deixava escapar nenhuma. Estava realmente interessada na leitura. Tanto que a chuva passou, o telefone tocou, seus pais apareceram e ela continuou ali. Nada a fazia alterar seu caminho. Queria terminar aquele livro. Queria descobrir uma parte da vida do homem que dividiu a história. Quando finalmente concluiu, estava admirada. Não apenas com este livro, mas pelo fato de que ler é muito interessante. Ela, realmente, não fazia idéia. Saiu do quarto faminta, e, ao mesmo tempo, saciada. Foi uma viagem muito longa, a um lugar mais distante ainda. Foram quase três horas sentada. Seus pais a viram entusiasmada, com um belo sorriso no rosto. Mas ela parecia não tê-los visto. Ainda digeria a leitura. - Filha, tudo bem? - Tudo. - Parece que você está em outro mundo. - É... como o senhor um dia me falou... Eles entraram em seu quarto, temendo o pior. Mas encontraram o livro na mesinha, além da bíblia e de um bloquinho de anotações, mais rabiscado que banheiro público. Eles abriram um sorriso e abraçaram-na. - Por que isso? - Porque você conheceu o fascinante mundo dos livros. – disse o pai.
Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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