João abriu os olhos ainda sonolento. Esperava que fosse umas cinco e meia, para aproveitar o friozinho que a chuva proporcionava deitado na cama. Espantou-se quando soube que eram quase sete horas. Do quarto para o banheiro foi um pulo. Tomou um banho de cinco minutos, um café mais rápido ainda e foi arrumar-se. Desesperou-se quando não viu uma blusa lavada e passada ferro. Apenas uma blusa de frio o esperava no chão. Passou o nariz por toda a extensão da roupa: fortes sinais de uso prolongado. Buscou no guarda-roupa o seu melhor perfume e a encharcou. Caçou o guarda-chuva em meio a uma pilha de bagulhos. Havia diversos ali: grandes, pequenos, emprestados e quebrados. Encontrou o que queria. Estava preparado para sair. O guarda-chuva não o livrou de ter a calça encharcada dos joelhos para baixo. A forte chuva o acompanhou até o ponto de ônibus. E dentro dele também: havia goteiras no transporte. Procurou uma boa cadeira para se sentar. Não havia nenhuma - todas estavam molhadas. "O que é uma colher suja para um pia cheia de panelas e pratos?", pensou. A chuva parecia aumentar a cada momento. A goteira piorava. Água entrava pelas brechas das janelas quebradas. Pior que isso só se o ônibus quebrasse. Mas poucos minutos depois ele pára: engarrafamento. Carros e mais carros na avenida. Água e mais água também. Pessoas andavam descalças, sandálias passeavam boiando, motociclistas procuravam outros caminhos para chegar ao seu destino. - José? E aí, rapaz, tudo engarrafado? - Tudo. E com você? - Aqui também. Estou parado em frente ao shopping. - Pois é. Eu também. Meu carro não sai do lugar... São quase oito e meia. Eu precisava estar cedo em Camaçari. Conversaram por um bom tempo. O motorista desligou o ônibus, orientado por colegas das outras conduções. Algumas pessoas arriscavam atravessar o rio que se formou na rua. Valia tudo para não chegar mais atrasada: era tirar o sapato e arregaçar as calças. Pobre daquelas que estavam com o cabelo "made in chapinha": desespero visível. - Paula? Eu estou aqui parado dentro do ônibus. Estou esperando a Salvamar... - risos. - Menino! Tudo bem! - gargalhadas - Não se preocupe. O tempo passava. Carro algum se movia em toda a avenida. Pessoas ligavam para o trabalho, faculdade, casa informando da situação. Nesse momento, a chuva diminuía, dando falsas esperanças. - João? - Oi! - Saiu do lugar? - Não. Se quiser, eu mudo de cadeira. - Eu já peguei a BR. Muita chuva... - Pois é. Se o shopping abrir, eu vou fazer compras. - E o ônibus? - Ele espera. Quarenta minutos depois ele torna a ligar para o trabalho. - Informando que ainda estou no mesmo lugar. No mesmo lugar mesmo! Nem da cadeira levantei. - Tudo bem. E a Salvamar? - No engarrafamento. E acho que ouço uma sirene de ambulância... - Olhe! Vá para casa... - Tudo bem. Desliga o telefone e liga para a irmã. - Posso ir almoçar aí? - Claro. Mas você sempre diz que vem e não aparece. - Verdade. Mas hoje é diferente. Não vou trabalhar e o engarrafamento me deixou imóvel. São nove e quinze agora. Com certeza eu chego aí no horário do almoço...
Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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