Maria acordou com o canto do galo. Eram exatamente cinco e vinte e cinco. Ficou deitada na cama, agradecendo pela boa noite de sono. Fazia cinco dias que não dormia bem, por causa da enfermidade de um dos seus meninos. Da janela olhava para o céu: poucas nuvens e um lindo sol. Bom para suas plantações. Na cozinha, preparava o desjejum das crianças. Além do tradicional bolo de milho, alguns pães e bolachas preenchiam a mesa. O café quentinho perfumava toda a casa e estimulava o pessoal a levantar. Tudo muito simples, tudo com muito amor. Longe dali, há uns quarenta quilômetros, a família Almeida se preparava para viajar para o litoral. A mãe Rita gritava e acordava todo mundo por causa do atraso: esperavam sair de casa às seis horas, uma hora atrás. O café eram frutas e suco em copos plásticos – não havia tempo para lavar louça. As crianças acordaram sonolentas, despertando apenas debaixo da água fria do chuveiro. Em menos de trinta minutos todos estavam prontos para a viagem. Pegaram a estrada e nem se preocuparam em observar o óleo ou pneus – mesmo com a boa vontade do frentista, no momento em que foram abastecer o veículo. Não deu outra: poucos minutos depois o carro enguiçou. A fumaça que saía do motor era a mesma que se percebia na cabeça do motorista. A esposa reclamava barbaridades, sem entender que a situação ficava pior a cada nova palavra torpe. As crianças ficavam em silêncio. Os minutos foram passando e o Fiesta parecia não querer sair. Carro nenhum passava na estrada, celular não dava sinal, o sol se escondia e as nuvens acinzentadas tornavam-se cada vez mais escuras. A esposa desprezava as iniciativas do marido, os meninos permaneciam em silêncio. Felicidade apenas na casa de Maria. Os filhos dela pulavam e se divertiam com o cachorro. Sentada à porta de casa, descalça e com um pano branco encobrindo o cabelo, ela debulhava feijão e observava a mãe alimentar as galinhas e seu esposo arrancar goiabas. Conversavam aos gritos e riam aos montes. Não se queixavam da escassez de dinheiro nem da pouca roupa que havia no velho guarda-roupa. Preocupavam-se com o bem-estar e a alegria das crianças, bem como dos seus estudos. O jumento era mais importante que qualquer outro carro, até porque não sabiam dirigir. A viagem dos Almeida não dava alegria. O casal esperava o guincho do seguro, solicitado quando o celular deu sinal. As crianças nem conseguiam se divertir no encostamento da estrada, tamanha a insatisfação de sua mãe. O marido não encarava sua esposa, pois sabia que seu olhar o incriminava – ainda que a culpa não fosse dele. O guincho chegou, rebocou o carro de volta à cidade e levou embora o sonho do feriado prolongado no litoral. Para piorar, gotas de água começavam a cair. Da garoa para uma forte chuva foram alguns minutos. A tristeza dos Almeida se expressava nas lágrimas de Rita. Na casa de Maria, o almoço em família indicava a alegria. Feijão, arroz, galinha e farinha. Todos juntos, comendo e se divertindo no início do feriadão. Tudo muito simples, mas com muito amor.
Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
|