25/11/2024  09h33
· Guia 2024     · O Guaruçá     · Cartões-postais     · Webmail     · Ubatuba            · · ·
O Guaruçá - Informação e Cultura
O GUARUÇÁ Índice d'O Guaruçá Colunistas SEÇÕES SERVIÇOS Biorritmo Busca n'O Guaruçá Expediente Home d'O Guaruçá
Acesso ao Sistema
Login
Senha

« Cadastro Gratuito »
COLUNISTA
Mateus Modesto
05/04/2008 - 08h54
Confusões de um cabeleireiro
 
 

Seu Rubens entrou no Fórum espumando. Não deu "bom-dia" a ninguém nem muito menos pediu desculpas ao esbarrar nas pessoas. Dirigiu-se à sala da Vara de Pequenas Causas e falou com o primeiro que estava sentado.

- Eu quero dar uma queixa.
- Desculpe, eu...
- Você vai me atender agora!
- Eu não trabalho aqui, senhor. Sou apenas filho dele... não pareço ter menos de 18?

Seu Rubens estava tão nervoso que não reparou que se tratava de um garoto de uns 12-13 anos. Sem sinais de barba, com espinhas no rosto e uma blusa branca com um escudo no lado esquerdo escrito: "Por Deus, pela pátria e pela família", em latim. Havia também o nome da escola, mas ele desprezou.

- Pois não, senhor? - perguntou o atendente.
- Eu quero...
- Dar uma queixa, sei. E o quê mais?
- Danos morais.
- Contra quem?
- Contra o senhor Lico.
- Lico, o Velho, do salão da Rua 23? - espantou-se.
- Não sei a rua. Estava escrito Salão do Carlos.

O atendente sabia que aquele rapaz não era da cidade. Ou pelo menos nunca o vira por aquelas bandas. Poderia ser um filho pródigo ou apenas um bancário recentemente transferido para a cidade.
Olhou-o totalmente. A testa estava franzida, respiração acelerada, obviamente muito nervoso. Olhou o cabelo, não havia qualquer estrago ou corte malfeito. Seu Lico, o Velho, era o melhor cabeleireiro da cidade. Quiçá da região. Ficou tentando decifrar a razão de o senhor estar ali, mas não encontrou qualquer uma.

- Queixa pelo qual motivo?
- Danos morais.
- Sim, eu sei, mas...
- Ele me humilhou.
- Seu Lico te humilhou? - deu um sorrisinho - Não pode ser...
- Mas foi! - impostou a voz. - Eu sou novo na cidade. Acabei de ser transferido de Feira de Santana, cheguei ontem. Fui cortar o cabelo hoje. Ao sair, vi um letreiro, com erros gritantes, por sinal, que dizia: "Entre feio e saia bonito".
- Saiu do mesmo jeito! - disse o menino de 12-13 anos.

Seu Rubens olhou-o com cara de poucos amigos. Estava decidido a entrar com um processo. Ainda que achasse bobagem. Ainda que fosse ser mais humilhante para ele, pois seria taxado de chato em seu novo local de trabalho.

- Permita-me entender a situação.
- É necessário? Ao escrever isso ele quis dizer que eu sou feio.
- Mas não é nada pessoal...
- Aquilo se refere a todos que entram ali. Creio que até um carteiro, no exercício da sua função, é constrangido.

O atendente não quis discutir. A papelada foi preenchida, a intimação enviada e toda a cidade notificada. Não havia um homem - muito menos uma mulher - que não soubesse do caso. Tanto o senhor Rubens quanto o senhor Lico foram convocados para um acordo amistoso.

- O senhor alega que foi humilhado, pois no estabelecimento estava escrito: "Entre feio e saia bonito". - afirmou o juiz - O senhor é bonito?
- É o que minha mulher diz.
- Você acredita em tudo que ela diz, pelo jeito.
- Não.
- Mas nisso acreditou. Por quê?
- Porque sim. Não sou um cara charmoso, mas também não sou desprezível.
- Entendo. O que o senhor Lico sugere? Pode retirar a frase?
- Eu escrevo outra na minha parede.
- Pronto. - concordou o senhor Rubens - E me pedir desculpas seria uma ótima também.

O senhor Lico contratou um rapaz para reescrever a frase. Demorou dois dias. O salão teve de ficar fechado por uma semana, norma estabelecida no acordo. Reaberto, a cidade resolveu conferir o resultado. Assim estava escrito: "Entre feio e saia bonito. Ou entre e saia desse mesmo jeito".
Seu Rubens entrou com outra queixa. Alegou que o acordo não foi cumprido. Seu Lico não quis ir novamente para o juiz e resolveu mudar assim que soube da nova acusação.
Fechou o estabelecimento, reformou-o completamente. No dia da reinauguração, avisada em todos os jornais e emissoras de rádio da cidade, metade da população estava esperando as portas se abrirem. Era tanta gente espremida que o único jeito de saberem era boca a boca. E Seu Lico escreveu, para finalizar as discussões: "Só entra homem feio. E bonito. E chato também".


Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
PUBLICIDADE
ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES SOBRE "CRÔNICAS"Índice das publicações sobre "CRÔNICAS"
31/12/2022 - 07h23 Enfim, `Arteado´!
30/12/2022 - 05h37 É pracabá
29/12/2022 - 06h33 Onde nascem os meus monstros
28/12/2022 - 06h39 Um Natal adulto
27/12/2022 - 07h36 Holy Night
26/12/2022 - 07h44 A vitória da Argentina
ÚLTIMAS DA COLUNA "MATEUS MODESTO"Índice da coluna "Mateus Modesto"
02/03/2014 - 10h00 Tarde na roça
02/02/2014 - 08h00 O amor
29/04/2009 - 07h01 Noite inesquecível
16/01/2009 - 13h09 A Velha
09/01/2009 - 07h11 Carta de despedida
18/12/2008 - 12h11 Incongruência
· FALE CONOSCO · ANUNCIE AQUI · TERMOS DE USO ·
Copyright © 1998-2024, UbaWeb. Direitos Reservados.