Quando Seu Jairo entrou em casa, espantou-se com a bagunça em sua sala. Malas, roupas e sapatos jogados pelo sofá e pelo chão. Tinha a certeza que sua sogra estava por lá. Desorganização era inerente a ela. Respirou fundo e entrou cantando. Sabia que seu quarto estava ocupado com as “tralhas da velha”. Antes que ele abrisse a porta, para confirmar, sua esposa gritou de cá: - Mamãe está aí! - Mesmo? – fez cara de surpreso. Quando ela aparecia – sempre sem avisar – havia desconforto. Noites mal dormidas, ronco ensurdecedor, piadas sem graça, inconveniência constante. Mas Dona Sônia era uma senhora legal. Desde que ficasse em sua cidade, Campina Grande, na Paraíba, ou na casa das filhas, em São Paulo. Ou seja, bem longe dele. - Posso pegar minhas coisas? - Que coisas? – perguntou sua esposa. - Bom... meu ursinho e meu travesseiro de coração não estão aqui... - Você tem isso?! – ela arregalou os olhos. - Você nunca viu!? Claro que não tenho, bem... Quero minha cueca, meu pijama, minha escova de dente... - Eta! Esqueci aí dentro. - Você pode... - Ela está dormindo. Ele esqueceu. A “velha” não passa das sete da noite. E dorme sempre de porta fechada. E roncando. Era quase impossível acordá-la. O ideal era esperá-la levantar às dez. Ou dormir sem tomar banho. Ou usar a mesma cueca. Ou ficar sem cueca – péssima opção, mas foi o que ele fez. Entrou no banheiro, tirou a roupa, tomou um banho gelado. Enxugou-se com a toalha de rosto e vestiu novamente a calça. Ficou desconfortável, mas ele não se importou. Logo depois ela acordaria e ele se arrumaria melhor. Foi tomar seu café. Assustou-se quando entrou na cozinha: não havia nem uma xícara em cima da mesa. O saco do pão estava vazio; a caixa do leite, amassada. Panelas aos montes na pia para lavar. “Ela esquentou o almoço ou fez a gororoba de sempre”, pensou. - Amor! – gritou do quarto a esposa – Você vai jantar? Não tem mais nada. Só se quiser ovo com farinha. Quer? Porque você não toma café? - Com o quê? - Se bem que não tem café... Mas tem bolacha e suco de tamarindo... Seu Jairo resolveu ver televisão. Deparou-se com um grande vazio na estante. Custou a crer, mas tinha certeza que ela estava em seu quarto. Quase chorou de raiva. “Por que ela me odeia? Eu casei com a filha mais feia... Ela devia me amar!”, pensou. Levantou-se – o incômodo da calça ainda maior – e foi até o quarto da visita. - Sua mãe veio fazer o quê aqui? - Eta, Jairo! Você também... a mamãe veio nos visitar. Insensível! - Sei. Tem certeza? - Eta! Vai ficar uns dias. - Dias? - Ela vendeu a casa da Paraíba. Seu Jairo se desesperou. Começou a respirar rápido, mais rápido ainda, depois devagar... O coração se inquietou, ele começou a suar, a tremer, a ficar branco. Não acreditava nisso. Se uma noite é insuportável, imagine semanas. Ele foi até a cozinha beber água. E um calmante. Sua calça incomodava cada vez mais. Ficou bolando uns planos, para saber o que fazer. Ir para casa de seus pais não podia: estavam em outra cidade. Ficar com a irmã também não dava certo: muita gente em um cubículo. Pensou tanto que deu um troço e caiu. Sua esposa chamou o médico, que morava em uma rua próxima. Em instantes ele chegou. Analisou, conversou um pouco e mandou ele tomar uns remédios. No outro dia, a mesma coisa. E dois dias depois também. A semana toda de repouso. Até que solucionou o caso. - Senhora, ele está com Síndrome da Sogris Irritantis. É comum, principalmente em homens. - É fatal, doutor? - Sim. Mas o tratamento é simples. - É contagioso? - Só se a mãe dele for chata. – deu uma gargalhada – Mande sua mãe para um hotel. Por uns dias. Ou semanas. Ele ficará melhor. Seu Jairo agradeceu ao médico a consulta e o acompanhou até a saída. - Fez o que te pedi, doutor? - Sim. Ela vai mandar sua sogra para São Paulo. Mas, lembre-se: nada de café, bolacha de sal e ovos. E vai passar uns dias tomando suco de maracujá. - Isso é o de menos, doutor. O de menos...
Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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