Ela saiu do salão radiante. Cabelos escovados, massageados, nutridos, com luzes. Estava diferente. Muito diferente. Visivelmente diferente. Nada a abalaria. "Só eu mesma", disse. Desceu a rua como quem anda por uma passarela. Sentia-se como se todos a notassem. "Estou demais!", pensava. A cintura rebolava mais que peão para pagar as contas no final do mês. Deslizava pelo asfalto. Estava flutuando. Mexia o cabelo para um lado e para o outro, fazendo o cabelo dançar belamente pelo ar. Surgiu um sorriso no canto da boca. Ela tinha a certeza do quanto estava linda. Passou pelos bares, construções, portarias e saiu colecionando aplausos e cantadas, de jovens a velhos. A cada passo, ela mantinha-se indiferente com os outros. Era charme. Até o olhar era forçado. Queria se sentir poderosa. Ainda que não soubesse para quê. Parou em frente a uma loja. Resolveu esperar um homem elegante que vinha em sua direção. Ela fingiu estar interessada pelo vestido da vitrine, mas pelo vidro acompanhava os passos do rapaz. Grande erro. Da loja saiu uma morena. Uma bela morena. Linda. Deslumbrante. O cabelo estava lindo, com um brilho enorme. "Isto é mega hair, com certeza!", espumava. Estava um ar-ra-so: sua boca aberta, os olhos apertados e a testa franzida confirmavam. Ela estava furiosa. Fora atingida. Esperou a mulher sumir na esquina. Caminhou cabisbaixa, refletindo sobre o "magnífico" cabelo. Mas não era apenas o cabelo. A morena era linda. Alta, bem arrumada, um caminhar perfeito, um sorriso encantador. Ela andou um pouco sem graça, mas depois levantou a cabeça. Manteve a postura ereta e falou para si mesma: "O que vale é a beleza interior". Não acreditou nas próprias palavras, mas foi o suficiente para chegar com dignidade em casa. E chorar sozinha depois.
Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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