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COLUNISTA
Mateus Modesto
12/02/2008 - 09h00
Do tamanho da mão de um homem
 
 

Se aquela nuvem não estivesse ali, o dia seria perfeito para Robson. Ela era pequena, do tamanho da mão de um homem, bastante escura e na direção de onde ele pretendia ir naquela manhã. Mau presságio.

Robson acordou cedo, mas a nuvem impediu seus planos. Da janela do quinto andar, ele pode contemplá-la e irritar-se. Ficou uns minutos organizando seu novo rumo, mas não imaginou nada realmente interessante. Estava pensando tão alto que sua mulher acabou acordando.

- Que foi, amor? Não ia sair cedo?
- Pois é. Mas as condições não estão favoráveis. - coçando o queixo.
- Não estão? - de tão assustada, sentou-se na cama.

Ele explicou para ela como o céu estava, com a "nuvem", indicando que o tempo não estaria bom para pescar, ainda mais seguindo por uma estrada de barro.

- Querido, não vai chover... - animou-o.
- Sei não...
- Filho - irritando-se - não vai chover. É apenas do tamanho de um... do quê mesmo? - levantou-se para vê-la.
- Da mão de um homem.

Ela começou a gargalhar. Ele ficou constrangido e chateado. Roeu as unhas, estalou os dedos, andou pelo quarto. Foi para a cozinha e ficou pensando. Sua esposa se sentiu envergonhada e tentou confortá-lo.

- Perdoe-me. Não foi minha intenção...
- Tudo bem.
- Está com medo? É tão pequena...
- É... - respirou fundo - É que, Elias, meu colega de trabalho, marido de... da menina do salão... - estalando os dedos.
- Marcleide.
- Isso. Ele contou uma história que uma cidade estava numa seca e aí um homem viu uma nuvem, como a de hoje, e caiu maior pé d’água.
- Aonde foi isso? Deve ter sido no sertão. E há muito tempo, porque não lembro de ter visto na televisão.
- É... são as histórias de Elias. Mas, sei lá...

Robson era muito inseguro. Ele gostava das coisas organizadas. Qualquer alteração, por mais simples que fosse, era o suficiente para atrapalhar seus planos. Por muitas vezes ele deixou de sair por causa de detalhes, desde uma roupa diferente da desejada a meia hora de atraso.
Sua esposa ficou aconselhando-o a ir. Ainda estava indeciso, mas ela acabou respondendo por ele. Com ou sem coragem, lá se foi Robson para a pescaria. Ligou para Genivaldo, organizou o anzol, as iscas, o isopor, pôs a bota, o colete, o chapéu. Meia hora depois se apresentou para a esposa - mais parecia um super-herói.

- Este é meu campeão!
- Vou passar na casa de Genivaldo e chegaremos lá por volta das dez horas.
- Beijo, amor. Boa sorte!
- Boa sorte? - ele arregalou os olhos.
- Apenas uma expressão... deixe de ser neurótico.
- Neurótico?

Foi dando meia volta, desistindo, mas ela o empurrou para fora de casa. Ele saiu com o coração acelerado.

Passou na casa de Genivaldo, comprou uns lanches, refrigerante e água no supermercado e se dirigiu para o Lago Seco, quinze quilômetros da cidade.

Organizaram a isca, o isopor, as cadeiras. Assim que lançaram o anzol na água, ouviram o céu dar seu primeiro estrondo. O segundo veio logo depois. Daí para a primeira gota foi um instante. E das gotas para uma chuva forte não durou um minuto.

Tentaram se esconder debaixo de uma árvore, mas o medo de raios não permitiu. Apressaram-se em guardar as coisas. Isopor, cadeira, anzol e baldes foram arremessados para dentro do carro.

No meio do caminho, o carro atola. Genivaldo sai e não consegue desatolar. Robson empurra, cai, levanta, perde uma bota e, com muito suor, o carro consegue sair.

Duas horas depois, a mulher ouve o som do carro. Vai até a porta. Espanta-se com a aparência do marido: um pé descalço, lama até a canela, todo encharcado, escorrendo água pelo chapéu. O isopor estava sem a tampa. O anzol, quebrado. O carro estava irreconhecível, coberto de lama, folhas e pequenos galhos.

Antes que ela perguntasse o que havia acontecido, ele, com raiva e ar de cansado, fala:

- Foi a nuvem, amor. E ela era do tamanho da mão de um homem...


Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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