Se aquela nuvem não estivesse ali, o dia seria perfeito para Robson. Ela era pequena, do tamanho da mão de um homem, bastante escura e na direção de onde ele pretendia ir naquela manhã. Mau presságio. Robson acordou cedo, mas a nuvem impediu seus planos. Da janela do quinto andar, ele pode contemplá-la e irritar-se. Ficou uns minutos organizando seu novo rumo, mas não imaginou nada realmente interessante. Estava pensando tão alto que sua mulher acabou acordando. - Que foi, amor? Não ia sair cedo? - Pois é. Mas as condições não estão favoráveis. - coçando o queixo. - Não estão? - de tão assustada, sentou-se na cama. Ele explicou para ela como o céu estava, com a "nuvem", indicando que o tempo não estaria bom para pescar, ainda mais seguindo por uma estrada de barro. - Querido, não vai chover... - animou-o. - Sei não... - Filho - irritando-se - não vai chover. É apenas do tamanho de um... do quê mesmo? - levantou-se para vê-la. - Da mão de um homem. Ela começou a gargalhar. Ele ficou constrangido e chateado. Roeu as unhas, estalou os dedos, andou pelo quarto. Foi para a cozinha e ficou pensando. Sua esposa se sentiu envergonhada e tentou confortá-lo. - Perdoe-me. Não foi minha intenção... - Tudo bem. - Está com medo? É tão pequena... - É... - respirou fundo - É que, Elias, meu colega de trabalho, marido de... da menina do salão... - estalando os dedos. - Marcleide. - Isso. Ele contou uma história que uma cidade estava numa seca e aí um homem viu uma nuvem, como a de hoje, e caiu maior pé d’água. - Aonde foi isso? Deve ter sido no sertão. E há muito tempo, porque não lembro de ter visto na televisão. - É... são as histórias de Elias. Mas, sei lá... Robson era muito inseguro. Ele gostava das coisas organizadas. Qualquer alteração, por mais simples que fosse, era o suficiente para atrapalhar seus planos. Por muitas vezes ele deixou de sair por causa de detalhes, desde uma roupa diferente da desejada a meia hora de atraso. Sua esposa ficou aconselhando-o a ir. Ainda estava indeciso, mas ela acabou respondendo por ele. Com ou sem coragem, lá se foi Robson para a pescaria. Ligou para Genivaldo, organizou o anzol, as iscas, o isopor, pôs a bota, o colete, o chapéu. Meia hora depois se apresentou para a esposa - mais parecia um super-herói. - Este é meu campeão! - Vou passar na casa de Genivaldo e chegaremos lá por volta das dez horas. - Beijo, amor. Boa sorte! - Boa sorte? - ele arregalou os olhos. - Apenas uma expressão... deixe de ser neurótico. - Neurótico? Foi dando meia volta, desistindo, mas ela o empurrou para fora de casa. Ele saiu com o coração acelerado. Passou na casa de Genivaldo, comprou uns lanches, refrigerante e água no supermercado e se dirigiu para o Lago Seco, quinze quilômetros da cidade. Organizaram a isca, o isopor, as cadeiras. Assim que lançaram o anzol na água, ouviram o céu dar seu primeiro estrondo. O segundo veio logo depois. Daí para a primeira gota foi um instante. E das gotas para uma chuva forte não durou um minuto. Tentaram se esconder debaixo de uma árvore, mas o medo de raios não permitiu. Apressaram-se em guardar as coisas. Isopor, cadeira, anzol e baldes foram arremessados para dentro do carro. No meio do caminho, o carro atola. Genivaldo sai e não consegue desatolar. Robson empurra, cai, levanta, perde uma bota e, com muito suor, o carro consegue sair. Duas horas depois, a mulher ouve o som do carro. Vai até a porta. Espanta-se com a aparência do marido: um pé descalço, lama até a canela, todo encharcado, escorrendo água pelo chapéu. O isopor estava sem a tampa. O anzol, quebrado. O carro estava irreconhecível, coberto de lama, folhas e pequenos galhos. Antes que ela perguntasse o que havia acontecido, ele, com raiva e ar de cansado, fala: - Foi a nuvem, amor. E ela era do tamanho da mão de um homem...
Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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