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COLUNISTA
Mateus Modesto
31/01/2008 - 12h08
A rodoviária
 
 

Rodoviária. Doze e meia da tarde. Extremamente cheia. Gente entrando e saindo da cidade, esperando o ônibus ou parentes. André havia feito uma viagem de treze horas do interior até a capital. Visivelmente cansado e faminto.
André esperava ansiosamente sua vez na fila da lanchonete. Não sabia que, primeiro, teria de passar na fila do caixa para ser atendido. Puxou conversa com um, respondeu algumas questões para outros e aguardou. Chamou, chamou, gritou, chamou algum atendente. Ninguém. Ainda estava calmo. Ainda. Ele era do tipo explosivo, mas para sua sorte, havia feito um tratamento para controlar seu temperamento. Respirou fundo. Até que viu a outra fila.

- É preciso passar por lá antes? – indignou-se.
- Isso mesmo.

Pacientemente, chamando por Deus, ele foi até a outra fila. Contou e havia quinze pessoas em sua frente. Olhou em volta. Não encontrou nenhuma outra lanchonete que o atraísse. Respirou fundo. Ficou procurando para ver se não encontrava sua irmã, que o iria buscar. Não viu ninguém. Contou a fila: dezessete pessoas. “Dezessete???”, pensou confuso. “Estou delirando”. Recontou. Agora eram dezenove. Ele não creu.

- As pessoas ficam marcando lugar na fila. Eu acho isso um absurdo! – comentou um rapaz em voz alta.

André entendeu porque a fila estava maior. Puxou a carteira e ficou lendo alguns cartões que havia nela. Leu, releu, brincou sozinho. Retirou o dinheiro. Insuficiente para um lanche. Foi fazendo a matemática de cabeça no que havia gastado e o que poderia comer: metade de um suco de laranja de 500 ml. “Não aceitamos cartões”, estava escrito com letras garrafais na proteção de vidro no caixa.

- Você guarda meu lugar enquanto vou sacar um dinheiro?
- Vá rápido. – respondeu um rapaz, com cara de poucos amigos.

Ele adiantou o passo para não perder a vez. Não acreditou na enorme fila que havia. Um caixa eletrônico apenas – o outro estava quebrado. Respirou fundo mais uma vez. Aqui havia dez pessoas na sua frente. Na outra fila, sete. Era um olho em cada caixa. Esperou pacientemente, sem abrir a boca, mesmo quando uma senhora empacou no saque e lá ficou por quase dez minutos.
Na sua vez, demorou a sacar. A pressa era tamanha que ora digitava a senha errada, ora a opção. Acalmou-se e tentou de novo. Nada. Mais uma vez e nada. A senha de números estava certa, a de letras também. Mas não o valor desejado. Só tinham notas de 20 e 50 reais no caixa – ele queria 10. Sacou 20 reais. Mas estava na certeza que a lanchonete não teria troco.
Voltou a tempo de recuperar seu lugar. Agradeceu. Esperou um pouco, chegou sua vez, fez o pedido, entregou a nota e torceu. Mas ficou só na torcida.

- Você não teria miúdo?
- Anh?
- Você não teria cinco reais?
- Não, não teria...
- Não, é porque ficaria melhor de a gente te dar o troco.
- Sei.
- Então!?
- Então o quê?
- Você não teria...
- Não, não teria.
- É... então... Infelizmente...
- Infelizmente o quê?
- Você poderia aguardar ao lado?
- Ao lado?
- Sim. As outras pessoas vão pedindo, adianta a fila e podemos ter o seu troco.
- Sei.
- Tudo bem?

Ela ficou sem resposta. Ele contou até dez, trinta, cinqüenta, setenta, contou carneirinhos, bodes e cabras. Respirou fundo. Repetiu isso umas dez vezes. Lembrou da irmã que não havia aparecido, do ônibus quebrado no caminho, do horário, do caixa eletrônico, da atendente... tudo caminhando contra. Somou tudo e quase explodiu. Ao olhar para o lado, viu uma pequena menina dançando. Isso o distraiu.
Percebeu que não havia música. Ela ia e voltava bailando, flutuando, com passos curtos e desengonçados, mas belos. Mexia os cabelos e os braços. Parecia ter a canção na mente. Ficou concentrado naquilo que se esqueceu das frustrações de momentos antes. Viu o coração puro da garotinha e se arrependeu dos seus pensamentos, de sua raiva. Respirou aliviado. Não valia a pena tamanha ira.

- Moça, pode deixar. Desculpe e muito obrigado. – referindo-se à atendente do caixa. – Desculpe ter segurado a fila. – falou com o rapaz que estava logo atrás.

Foi em direção à saída. Lembrou-se que nem havia ligado para sua irmã, informando que estava na cidade. Lamentou novamente pelos pensamentos. Tinha anotado o endereço, onde e qual ônibus pegar e onde descer. Resolveu arriscar.
Chegou à estação, pegou o ônibus, desceu no ponto certo e caminhou até a casa. Refletiu o que diria à sua irmã do início ao fim da viagem. Colocou as malas no chão, tocou a campainha e aguardou. Ela abriu a porta, deu um grande sorriso e se abraçaram. Havia cinco anos que não se viam. Ele deu um suspiro e falou:

- Eu te amo!
- Eu também. – ela abriu um sorriso ainda maior.
- Queria te pedir perdão.

Eles ficaram parados, olhando-se. Ela estranhou o comportamento do irmão.

- Eu te perdôo.

Ele deu um belo sorriso e um forte abraço. Entraram e divertiram-se a tarde inteira. Sem raiva. Apenas com alegria e verdade.


Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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