É impossível não gostar de uma roça. Abandonar por uns dias ou horas a confusão da cidade, a fumaça dos carros, o corre-corre no trabalho e descansar à sombra de uma bela árvore. A natureza é perfeita. Roça que é roça tem uma cancela na entrada. Uma bela árvore - na roça do meu avô é um enorme pé de umbu - um cachorro - do tipo que olha alguém chegar e se deita novamente, como se estivesse apenas registrando - e uma cadeira ou um banco para observar as pessoas - numa roça é incomum não saudar quem passa. Se a roça do meu avô tivesse um nome, seria Roça do Velho Bidão. Estaria num pedaço de madeira pendurado na frente da casa. Mas isso é só um detalhe. O que tem não tem em tantos outros lugares. O enorme umbuzeiro dá uma sombra de dormir. E sentar na cadeira de balanço, sentindo o falar do vento e o dançar da folhas nos dá sono. Melhor que isso, só cochilando numa rede. A roça tem cheiro de infância. Arrancar umbu, comer acerola e serigüela ainda no pé, o barulho das galinhas e o inconfundível odor dos seus excrementos, o cachorro sonolento e a conversa dos pássaros. Andar descalço na terra, jogar bola e correr pela casa. Fogão à lenha, geladeira velha, madeira estocada e um quartinho cheio de bagulho, desde remédio para animal à esteira rasgada. João Modesto, o Bidão, meu avô, tem mais de 80 anos de conversa. Faz pouco tempo que aderiu ao estilo roceiro. Velho gentil, pouco cabelo, bigode clássico, chapéu de palha, chinelos... só faltou aquele matinho no canto da boca. Anda como se não tivesse pressa, apresentando as plantações da sua amada roça: é melancia, abóbora, cebolinha, mamão, manga, pitanga, algodão, mamona. Só não tem rio. Mas tem um açude, em fase de conclusão ainda. Alegria dele é receber todos os filhos, netos e amigos. Quanto mais cheia, melhor. Prosear e plantar são verbos constantes em sua nova vida. Na roça, todo mundo é bem-vindo. Seja rico ou pobre. Feio ou bonito. Casado ou solteiro. Só não vale falar de trabalho, criança não pode se emburrar por causa da falta de computador e reclamar por causa de arranhões nas pernas. Quer dizer, não se pode reclamar por coisa alguma. Roça é lugar de relaxar e viver o que não se vive. Contemplar a natureza, subir em uma árvore, observar o céu - o que pouco se vê em uma grande cidade. Um dia vou ter uma pequena roça. Ou uma grande fazenda. Quero ver as flores brotarem e me cortar com seus espinhos. Varrer a terra e ajuntar as folhas. Quero tirar leite da vaca. Quero ver o sol nascer e me encantar com o canto do galo. E ouvir a sinfonia dos animais, cada um expressando seu som e dando vida ao lugar. Sentar no chão frio, fazer bolinhos de feijão com farinha e comer com a mão. Quanto mais vivemos na cidade, mais sentimos falta da natureza. O cheiro da terra molhada é substituído pelo mormaço do asfalto, o mugir da vaca pelo ronco do motor e o som das folhas das árvores pelo das buzinas. Espero não perder o prazer de visitar o campo. E de andar descalço. E de tomar banho de rio. Ou de balde. Enquanto o dia não chega, resta-me sonhar.
Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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