O pavilhão François vinha todos os anos instalar-se num terreno baldio, próximo de minha casa. Era um circo metálico, diferente dos outros de lona. Não tinha atrações como trapézio e animais. Globo da Morte nem pensar. Com o Pavilhão François descobri muita coisa, diferenças de pronúncias e outras diferenças mais marcantes. Recém alfabetizado, eu lia orgulhosamente o que estava escrito, Pavilhão François. Os adultos corrigiam, Pavilhão Françuá. Eu reclamava e eles diziam que era francês. E eu com isso, estava escrito françois e não françuá. Nessa época todas as crianças, eu inclusive, eram amarradas em super-heróis. Capitão era uma palavra mágica. Assim, quando a atração anunciada foi o Capitão Furtado, eu insisti tanto que minha avó me levou, sob protestos. Era um homem gordinho, animador de rádio, que apresentou cantores desconhecidos, ele nem sequer tinha capa, quanto mais voar. Foi uma descoberta e tanto, nem todo capitão era de fato capitão. Dias depois, na matinée, teve o Capitão Marvel. Desse eu gostei, embora ele usasse bigode e o do gibi não. Detalhe. Também os vôos não eram bons, ele voava amarrado numa corda. Certa manhã, eu estava bisbilhotando no circo e, ao entrar num camarim, vi a ajudante do mágico. Ela estava nua! Fiquei tremendamente perturbado com a visão, a primeira vez a gente nunca esquece. Ela piscou para mim e continuou passando roupa. Meu coração quase saiu pela boca e fiquei vermelho como um pimentão. Quando cheguei em casa minha mãe perguntou se eu tinha visto um fantasma. Depois disso tornei a ir ao circo todos os dias, mas ela estava sempre vestida e sempre piscava para mim. Nunca esquecerei do Pavilhão Françuá.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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