No verão europeu de 1985 eu e minha mulher desembarcamos na estação ferroviária de Veneza. Tinha sido uma viagem cansativa, desde Barcelona, num trem apinhado de estudantes de cabelos loiros e mochilas nas costas. Na estação, um luminoso redondo com a letra i indicava o balcão de atendimento aos turistas. Fomos lá, estava cheio de rapazes e garotas perguntando sobre acomodações. Quando chegou a nossa vez, pedi um hotel com diária de 20 dólares, era a base que nós estávamos gastando desde Lisboa, nosso primeiro ponto de parada na Europa. Vinte dólares são sessenta reais, a inflação atingiu inclusive a moeda de Tio Sam. Hoje hotéis semelhantes custam no mínimo cem dólares que são trezentos reais. Quinhentos por cento de aumento em vinte anos! A garota do serviço de turismo nos enviou para um pequeno hotel que ficava às margens de um canal secundário, por onde passavam gôndolas. No térreo havia um restaurante com mesas debaixo de um toldo. Quando a noite chegava o proprietário as iluminava com velas. Era romântico sentar-se naquele local para tomar um bom vinho branco gelado e ver as gôndolas passando com os casais enamorados olhando a Lua refletida nas águas. Aliás, passear de gôndola custa caro, os gondoleiros são uma espécie profissional rara, ganham bem e seus barcos são verdadeiras obras de arte da construção naval. Veneza tem muito para mostrar, a Praça São Marcos por exemplo. Na minha cabeça ela é sinônimo de praça, ou melhor, arquétipo. Era dos pontos favoritos para terminar os passeios. De lá caminhávamos para o hotel. Perto deste, havia uma outra praça, pequena, e nesta uma loja me chamou à atenção. Chamava-se "Café do Brasil", tinha na porta uma placa verde e amarela com um ramo de café desenhado. Como sou grande consumidor da infusão fui ver do que se tratava. Nas paredes havia recipientes contendo café das mais variadas regiões produtoras de São Paulo e Minas Gerais. Cravinhos era uma delas, parei em frente e fiquei recordando as histórias de meu avô que viveu e casou-se com minha avó nessa cidade, onde trabalhava numa fazenda de café. O dono da loja ao ver o meu interesse perguntou se eu conhecia Cravinhos. Começamos a conversar, ele me contou que já estivera lá por duas vezes e que gostava muito da região de Ribeirão Preto. Fiquei curioso para saber sobre a loja, como ele tivera a idéia de colocar o nome e qual a razão da preferência pelo café do Brasil, já que nos anos 80, na Europa, a moda era o café da Colômbia. Ele disse que a loja fora aberta, nos anos da década de 1950, pelo governo brasileiro, através do IBC, Instituto Brasileiro do Café. Lojas semelhantes foram abertas em toda a Europa. Além de divulgar o café brasileiro, divulgavam aspectos de nossas cidades produtoras. Se tivessem tido continuidade, poderiam virar centros irradiadores da cultura brasileira. Acabaram fechadas por omissão, falta de visão e porque não dizer, tacanhice de nossas autoridades. Em Veneza a loja foi passada ao simpático senhor com quem conversei, as leis italianas impedem que um negócio seja fechado se tiver função social, isto é empregados vivendo do salário ali ganho. Assim a loja foi vendida ao empregado mais antigo e, ele, italiano de nascimento, passou a vida falando do Brasil e divulgando nossas coisas. Todos os dias eu entrava na loja para um dedinho de prosa e um cafezinho, o qual nunca paguei. Ele dizia que amigos não pagavam, eram convidados. Nunca mais voltei àquela loja, nem mesmo à Veneza, lembrei-me desses remotos acontecimentos ao ler nos jornais que a Colômbia está fazendo uma grande investida de marketing ao abrir lojas semelhantes em praticamente todo o mundo. Nós deveríamos fazer o mesmo, nosso café é bom e ajudaria a divulgar o nome do Brasil que só é lembrado quando há futebol, escândalos ou tragédias. Temos mais para oferecer.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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