Quem diria, depois de vinte anos de casado ele foi obrigado a dormir no hall de entrada do apartamento. Sem a chave, acabou ficando no bar até as duas da manhã tomando cerveja e falando de futebol. E de mulheres, é claro. Chegou em casa bêbado e a mulher que sempre ameaçava, naquela noite cumpriu. Não abriu a porta, não adiantou implorar, pedir perdão, jurar que tinha sido a última vez, não teve jeito, ela não se deixou comover. Ele então deitou-se sobre o tapete da entrada, onde mal cabia um gato gordo. O pior é que além de estar frio, deu vontade de fazer xixi. As cervejas tinham entrado e agora queriam sair. Na primeira vez ele desceu até o térreo e usou o banheiro do zelador. Na segunda vez a preguiça venceu, ele então fez no vaso decorativo da vizinha, que imitava arte marajoara. Em todas as outras vezes, foram muitas, ele usou o vaso como vaso, até deixá-lo quase cheio. Na manhã seguinte, assim que a mulher abriu a porta ele entrou. Ficaram sem conversar por duas semanas. A vizinha nunca entendeu o que aconteceu com o vaso, atribuiu a façanha a uma entidade indiana, que teria vivido há mais de vinte mil anos e que costumava baixar no centro que ela freqüentava. Consultado, o médium disse que casos como esse, embora raros, acontecem.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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