São bonitos os dias nesta época do ano. Chove pouco, as noites são frias, o céu estrelado e quando há Lua o espetáculo ganha dimensões de superprodução.

Pois foi numa noite dessas que passeando pela orla do Itaguá me ocorreu um estranho pensamento. Estou sendo seguido!

Disfarcei a princípio, depois pensei estar ficando louco, sofrendo de delírio persecutório, seriam os primeiros sinais da velhice chegando? Apressei o passo, vinte metros atrás alguém também acelerou, a distância que nos separava permaneceu constante.

Nas proximidades do aquário, comecei a correr. Eu caminhava desde o Iate Clube, onde deixei o carro, a idéia era ir até a feirinha e voltar, faço isso todos os dias, por recomendação médica e por prazer.

Logo deu para notar que o meu perseguidor fez o mesmo, pôs-se a correr na minha velocidade, cuidando para não deixar variar a distância que nos separava. Quando eu acelerava, ele acelerava, se eu diminuísse o ritmo ele também o fazia.

Corri até a feirinha onde me misturei aos turistas. Quando já estava voltando pensei tê-lo despistado, qual o quê, logo percebi que a perseguição continuava. Lá estava ele, na mesma distância.

Corri novamente, desta vez mais rápido. Na altura da pista de skate meu coração disparou, não sei se pelo esforço da corrida ou se pela adrenalina que invadiu minha circulação. Passei pelo shopping center voando baixo, dando o máximo.

Eu não sei porque não queria ser alcançado. Mentalmente eu me questionava se daria tempo de entrar no carro e sair dali antes dele se aproximar. Eu nem desconfiava quem fosse ou o porquê da perseguição, apenas intuía que minha vida estava correndo perigo.

E assim, pensando nas possibilidades de fuga, resolvi que se fosse para morrer eu o faria em movimento, seria uma morte cinética, detesto mortes convencionais nas quais o moribundo fica na cama segurando uma vela, cercado de parentes. Continuei correndo, meu organismo foi se acostumando ao ritmo, retornei dando a volta no quarteirão e mais uma vez corri em direção à feirinha.

Atrás de mim, sem deixar a distância variar mais do que um metro, o meu perseguidor continuava determinado. Depois de alguns quilômetros, meus pulmões deram ordens para o corpo diminuir a marcha, ou isso ou eles se recusariam a continuar fazendo as trocas gasosas.

O coração aplaudiu os pulmões e ameaçou aderir à greve. O resto da carcaça obedeceu, desta vez o perseguidor não parou, tentei correr novamente, mas as pernas também se juntaram ao boicote dos miúdos internos, finalmente a hora da verdade se aproximava.

Parei disposto a desfrutar, quem sabe, os meus últimos momentos no planeta. Naquela fração de segundo contemplei o firmamento, compreendi a grandeza do Universo e de seu Criador e senti que ainda era cedo para deixar este lugar tão aprazível. Eu iria lutar, entregaria caro a minha vida. Quando dei por mim um corpo aproximou-se, não tive como evitar, ele esticou os braços em volta de meu pescoço e começou a cair. Segurei-o, suas últimas palavras foram:

- Posso tomar conta do carro?

Em seguida morreu. Desde esse dia, há momentos em que o remorso invade meu coração.

Teria sido minha culpa?