“Qui m´importa, qui m´importa O seu preconceito qui m´importa” Renato Teixeira Quando nos mudamos para Sorocaba, em 1954, tomamos contato com uma realidade bem diferente de Rancharia, cidade conhecida por sua produção de algodão e de amendoim. Lembro-me que da casa da minha avó dava para ver o campo branco, como se tivesse nevado. Também me lembro das pontas duras das maçãs, como se chamam os frutos do algodão, e que ao enfiarmos as mãos para retirar a paina, espetavam as pontas dos dedos. No prédio da Câmara Municipal havia um painel de azulejos representando a colheita do algodão. Nos desfiles havia um carro alegórico carregando a rainha do algodão, com belas mulheres exibindo seus cestos repletos de paina. Antes de amadurecer e de abrir, essa paina era adocicada e comida por crianças e adultos. O que unia as duas realidades era o algodão. Em Rancharia se plantava, se colhia e se produzia o óleo comestível; em Sorocaba se transformava a paina em tecido que era vendido por todo o Brasil e para o exterior, daí o apelido de Manchester Paulista, como a cidade era conhecida, comparando-a com a cidade industrial da Inglaterra. Trabalhei durante quase dez anos em uma das maiores tecelagens do Brasil, local onde pude ver a transformação das painas de algodão em fios e depois, em tecidos crus e estampados. Sorocaba se destacava como uma grande cidade industrial do interior e atraia gente de muitos lugares. As fábricas de tecido funcionavam em construções de tijolos vivos, avermelhados, sem reboco, típicos da arquitetura inglesa, presentes também na Estação da Luz em São Paulo. Hoje, com a crise da indústria de tecidos devido a importação da China, esses prédios se transformaram em grandes shopping centers. Mas o nosso maior choque foi cultural, especialmente linguístico, pois tivemos que aprender muitas expressões locais e uma maneira acaipirada de pronunciar o ele e o erre, como o Renato Teixeira explorou naquela música “Rapaz Caipira”, onde ele brinca com a forma do caipira pronunciar a palavra “porta”. Quando alguém convidava para “lenhá” era para ir catar galhos mais finos cortados dos eucaliptos para que crescessem mais rapidamente. Essas plantações ficavam no limite da zona urbanizada, ao lado da rodovia de acesso a Porto Feliz. A população mais pobre dos bairros de Terra Vermelha, Vila Angélica, Vila Barão e Vila Carol, usavam fogões a lenha e pó de serra e usavam esses gravetos. Havia a época da gabiroba, arbusto pequeno, com frutos muito doces e cheirosos, parecidos com araçá ou goiaba, mas pequenos como bolinhas de gude. Nessa época, a população ia para o campo para catar e degustar essas frutas, as quais tem um período de produção e conservação muito curtos. “Catá gabiroba” também tem uma conotação sexual, porque os jovens, diante de toda a vigilância e repressão sexual, aproveitavam esse momento no campo para se encontrarem. A vegetação era típica de cerrado e, além da gabiroba, havia muito ariticum, coco indaiá, uvaias etc. É pena que, com a expansão da cidade, esses campos desapareceram e as novas gerações não conhecem mais essas frutas. Mas existe um movimento que se amplia no sentido de pesquisar o valor nutricional, medicinal e paisagístico dessas frutas, divulgando-as através de sorvetes, sucos, geleias e licores. Aqui mesmo, em Ubatuba, há sorveterias e casas de suco que oferecem esses produtos. Também há sítios que estão investindo no turismo rural e comunitário, localizados principalmente nos bairros do Taquaral e do Ubatumirim, os quais cultivam e preservam frutas da região, que estão desaparecendo das matas, dos campos, quintais e pomares. Um exemplo disso é o Sitio Cachoeira, no Taquaral. Vale a pena conhecer.
Nota do Editor: Rui Alves Grilo é professor da rede pública de ensino desde 1971. Assessor e militante de Educação Popular.
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