Entre tantos personagens criados por Lobato, não tenho certeza qual dos dois personagens é o mais conhecido ou o mais importante: Emilia ou o Jeca Tatu. Além de escritor, de editor, de jornalista, de comerciante, Lobato também foi fazendeiro e, do seu relacionamento com os empregados da fazenda surgiu o seu personagem Jeca Tatu, símbolo do brasileiro preguiçoso, fruto do cruzamento de várias raças. No seu julgamento, Lobato foi muito influenciado por estudos “científicos” da época que indicavam a superioridade da raça branca sobre as outras. Mais tarde, influenciado pela pesquisas dos sanitaristas Belisário Pena e Arthur Neiva, Lobato revê seus conceitos colocando o Jeca Tatu como vítima das péssimas condições sanitárias e da exploração dos almofadinhas da cidade contra a população rural. De objeto de crítica e desprezo, o caipira passa a ser visto como o verdadeiro patriota, aquele que cria a riqueza do Brasil. Passa a publicar no Estadão uma série de artigos tentando mostrar esse novo ponto de vista, mas a visão negativa do Jeca Tatu já estava consolidada e até hoje há a idéia de que tudo no Brasil é corrupção, que o povo brasileiro é vagabundo, corrupto, que não sabe votar etc. etc. e que tudo de bom está no modo de vida branco, americano ou europeu. Para exemplificar sua opinião, relata o fato de um grupo de frades franceses que, ao chegarem em Tremembé, necessitando de mão de obra agrícola e encontrando apenas pessoas enfraquecidas pela fome e por doenças, primeiro trataram de recuperar a saúde através de alimentação e moradias higiênicas e adequadas. Lobato conclui: “A nossa gente rural possui ótimas qualidades de resistência e adaptação. É boa por índole, meiga e dócil. O pobre caipira é positivamente um homem como o italiano, o português e o espanhol. Mas é um homem em estado latente. Possui dentro de si grande riqueza em forças. Mas força em estado de possibilidade... O caipira não é assim. Está assim” (*). No entanto, essa visão negativa do caipira segue introjetada em grande parte dos brasileiros que se vêem inferiores, acreditando que as mazelas só acontecem aqui. Para rever esse conceito sugiro que vejam alguns filmes, entre os quais posso citar “A Comédia do Poder” que aborda a justiça na França. (*) Mathias Arrudão, “O arrependimento de Lobato”, O Estado de São Paulo, 11/07/1948.
Nota do Editor: Rui Alves Grilo é professor da rede pública de ensino desde 1971. Assessor e militante de Educação Popular.
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