Conversa (des)afinada
Em Cannes, talvez inspirados pela cor do tapete, de frente para a Croisette, artistas brasileiros do elenco do filme Aquarius, protestaram contra o que chamaram – e não são os únicos - de golpe. Não consta que eles pretendam pedir asilo político para fugir das perseguições, como ocorreria se houvesse um regime ditatorial na pátria amada, salve, salve. Fizeram uso do direito de expressar livremente sua opinião, como poderão fazer ao voltarem ao Brasil. Divulgaram para a clientela dos bares em frente ao Palais des Festivals et des Congrés de Cannes, o retrato daquilo que lhes parece ser uma república de bananas. Se o público deixou de bebericar seus drinques, a imprensa não revelou. A poeira ainda não baixou. Uma página está prestes a ser virada, mas ainda não o foi. A mulher sapiens reclama. Diz ter sido vítima de um golpe, pois não praticou crime algum, não roubou, não tem conta em paraísos fiscais. Não ter praticado roubos é louvável, mas trata-se apenas de uma condição necessária, para o exercício da Presidência. Quanto aos roubos – até agora não se tem uma ideia exata do rombo - praticados durante seu governo foi omissa, ou não foi competente o suficiente para detectá-los, impedi-los e punir os culpados. Queira ou não a presidente afastada, por mais que insista em posar como mártir, a lenda do "golpe" caminha para a lata de lixo. É absurdo falar em milhões de votos pisoteados, como se expressou o senhor Rui Falcão. Para que um presidente seja afastado, em função de crimes de responsabilidade, precisa primeiro ter sido eleito, e se ganhou as eleições, obviamente, o foi com milhões de votos. O afastamento, que ainda não ocorreu de forma definitiva, poderá ser imposto por causa da prática de "malfeitos" depois de um ritual discutido e aprovado pelo STF, e transmitido ao vivo. Os que se opuseram ao tal golpe, na concepção da militância petista, da esquerda caviar, e de simpatizantes da presidenta o fizeram livremente, fato que não se verificaria, por exemplo na Venezuela ou Cuba e outras repúblicas bolivarianas. Por sinal, o que é ser bolivariano? Isso sem falar que boa parte dos milhões de votos antes de serem "pisoteados" foram obtidos vendendo um punhado de mentiras, algumas proferidas na maior cara de pau durante a campanha eleitoral, outras, sustentadas pelas fantasias delituosas, carinhosamente chamadas de pedaladas. Finalmente, discutir a qualidade dos parlamentares, sem a ironia condescendente de um New York Times, é apenas constatar o óbvio: eles são apenas aquilo que as urnas pariram. Fazer o quê? Seguir o chiste de Berthold Brecht e demitir o povo? Sem abusar do latinório, vale repetir: semelhante cura semelhante ou, como diria Lula: similia similibus curantur.
Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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